30 de dezembro de 2009

Rapidez

Ausentei-me deste lugar e volto com a notícia de uma viagem que começa no próximo dia 8. Seguirei de ônibus com um grupo da UFBA por nove países da América do Sul. Pois é, a vida é muito rápida e as incertezas continuam sendo a aspiral que a encaderna. Entra ano, sai ano, e tudo parece ainda mais incerto, por isso, o lema é não nos desperdiçar. Não deixar escapulir o melhor que somos, não encobrir a força vital com sentimentos que não prestam. Bom, mas enquanto me chegava a notícia da viagem, fruto de um processo seletivo que participei na universidade, as luzes cobriram as cidades e a noite de Natal chegou. Fez-se acontecimento em meu universo, como em tantos outros. Catei um sentido para ele, virei e revirei, buscando identificar o que ele significa em minha fase adulta. Encontrei como sentido o encontro entre as pessoas, o ato de presentear quem se gosta, as visitas à casa das tias, a troca de afagos, a chegada de mensagens de amigos queridos, um repensar sobre o tamanho da minha família, que há tempos é constituída das mesmas seis pessoas, e a constatação de que mudanças chegam para todo mundo: minha mãe começou a aprender a se priorizar, pois acordou às 6h para ir ao salão; não quis correr o risco de ficar sem as unhas feitas e o cabelo tingido na noite do dia 24, dia em que costumeiramente ela se entrega à realização de inúmeras tarefas domésticas e, sobretudo, administrativas, de modo que não sobra tempo para os cuidados consigo. Ah, e o mais interessante é que a frase que deu esta dimensão de aprendizado veio de Margarida, que trabalha com minha mãe há muitos anos. Ela disse: "Dona Lurdinha aprendeu a viver, foi bem cedo pro salão este ano". Bom, mas o melhor do meu Natal foi saber que Jeferson é o menino Jesus. Vou contar a história: ele é neto de minha tia Nalvinha, tem oito anos e é um menino bastante emotivo. No final da tarde de um certo sábado, ele saiu com a avó pelas ruas do bairro do Sobradinho para fazer um breve passeio. Era quase noite, quando voltaram para casa, e, no Sobradinho, já é hora dos feirantes, que no domingo trabalham na feira, estarem com seus cestos vendendo seus produtos. Minha tia aproveitou para comprar feijão nas mãos de uma mulher e seguiu para casa. Passados uns poucos instantes, viu que Jeferson chorava muito. Ela parou o que estava fazendo e lhe perguntou o que estava acontecendo. Ele disse: "eu estou chorando porque aquela mulher, do feijão, minha avó, vai dormir na rua, e isso não tá certo, na rua não tem cama, não tem coberta e nem tem comida". Minha tia, muito sentida, tentou lhe dizer que ela estava acostumada a passar a noite de sábado na rua para poder fazer uma feira mais proveitosa no domingo. Ele, com os olhos cheios de lágrimas, disse: "Então, vamos voltar lá e comprar todo o feijão dela, e aí ela pode ir pra casa". Minha tia ficou sem palavras. E ao me contar, fiquei eu, sem palavras, arrepiada e certa de que o humano é muito tocante. Jeferson é o meu menino Jesus.

3 de dezembro de 2009

Um nobre despertar

Acordo. E que luxo é acordar. Acordar com saúde, acordar com tudo no lugar. Luxo acordar com vontade de acordar. Luxo acordar ao seu lado, ouvindo-o falar sobre como o olho funciona! Luxo aprender, de manhazinha bem cedo, que a cor só é descoberta por uma criança quando ela se alfabetiza. E que luxo saber que fui criança, que fui alfabetizada e que descobri as cores e que gostei e gosto das cores! Luxo aprender que o olhar é campo para a semeadura da ilusão. Ôps, mas isso pode render tantos pensamentos, imagino eu. Mas, vou deixar para elaborá-los mais tarde. Luxo ter olhos, ter olhos que vêem. Luxo caminhar levando as retinas para todos os lugares para onde eu vou, e que maravilha que vou a muitos lugares! Lembro de um escritor que dizia: "o bom não é fazer várias viagens com um único par de olhos, mas uma única viagem com muitos pares de olhos." Quero, então, muitos olhos dentro dos meus dois olhos. Hoje, desejo saber mais sobre a visão, que é, para mim, uma das portas para o mundo me penetrar. Pego-me com vontade de saber mais dos olhos e também das unhas. Afinal, estas são superfície para que eu coloque mais cor em minhas mãos, em meus pés. Hoje, elas, as unhas, me agregam o vermelho. Já houve dia em que trouxeram o rosa, outros, a cor renda. Sei: quero sempre mais cores em mim. Por favor, traga-me um esmalte cor de arco-íris.

1 de dezembro de 2009

Sou assim

A energia da frustração me recheia do que não gosto. Afinal, eu sou tão atenta à vida e quero tanto e absolutamente que tudo nela seja repleto de sabor, que, quando aquilo que eu planejo com amor desacontece, perco o controle, e aí vem a desassossegadora sequência: eu me desacerto com o mês de novembro, uso o verbo "registrar" no lugar de "comemorar", desperdiço possibilidades, jogo fora situações únicas, me embaraço com sensações de vazio, arremesso palavras cruas nos ouvidos alheios, exijo posicionamentos como se o meu modo de enxergar os acontecimentos fosse lei, exalto o fato de não ter tido o vestido de bolinha notado como bonito e enlouqueço ao ver o meu feminino negligenciado pelos olhos do homem que está comigo. Eu sou assim.