27 de janeiro de 2010

Um novelo de emoções que não quero perder

São muitas vivências colecionadas em menos de 20 dias de viagem. Capturas que nem sempre consigo depositar neste espaço onde procuro partilhar minhas emocionantes descobertas. Desde que sai de Salvador, sou puro acúmulo de experiências sensacionais e que me convidam a pensar, sentir, escolher, caminhar, tocar, saber mais de mim e da América Latina. Não cessa de chegar informação, sentidos novos, afeto bom pelos companheiros e companheiras da Caravana. Já sonhei em espanhol; já pus roupa para lavar na lanvanderia; conversei com ativistas na praça; comprei livros, discos e artesanato; comi trigo com pêssego, ou seja, o tradicional "mote" que faz parte da cozinha chilena; pirei na Cordilheira dos Andes; tomei banho em banheira e adorei Montevidéu. Sua forma de se fazer lugar, endereço, mundo habitado transmite uma imensa sensação de bem-estar. A cidade é uma delícia, e todos nós adoramos conhecê-la. A correria da Caravana, no entanto, não me deixou ser atenciosa com Montevidéu, no que se refere à produção de texto, embora eu tenha escrito sobre suas características em meu diário de bordo. Contudo, não cheguei a publicar aqui. Faço isso agora, aproveitando o rastro das palavras dedicadas para Santiago, pois quero sentir que falei de Montevidéu, que dei-lhe a atenção merecida. Ôps! Mas, ainda me sinto em débito com as Mães da Praça de Maio; o Conflito das Papeleiras; a sensação de ter cruzado, de uma ponta a outra, o Uruguai, pois sua extensão territorial equviale a do estado do Rio Grande do Sul, no Brasil; a viagem de 29 horas que fizemos de Buenos Aires para Santiago, sem parar um instante sequer para dormir; os lindos caminhos entre os países e que são repletos de inéditas imagens - para se ter uma noção: da Argentina para o Chile, dormi em alguns trechos, mas, quando acordava e olhava da janela do ônibus, me deparava com cenas arrebatadoras de tão belas, cenas que chegam a parecer aquelas impressas nas folhinhas, ou seja, paisagens que nós duvidamos que existam. Bom, são muitas colheitas e confesso que ainda estão fora deste blog: fotos feitas para mostrar as cidades, algumas narrativas sobre comidas e cheiros, texto sobre o ótimo entrosamento do grupo, conversas inteligentes tidas dentro do ônibus, as minuciosas exigências das fronteiras - ah, mais uma vez, agora, para entrar no Chile - esvaziamos todo o ônibus e nossas bagagens foram fiscalizadas pelos agentes. São mesmo muitas falas querendo brotar. Vamos que vem mais por aí.

26 de janeiro de 2010

Sobre Montevidéu, escrito no último dia 19, quando lá eu estava

Meu banho hoje aconteceu antes das 7 horas da manhã. Chovia e um friozinho começava a pairar sobre nossas cabeças. Muito boa a sensação de refresco que chegou com o dia chuvoso, pois estava escaldante o sol da segunda-feira. Acordei muito cedo porque hoje será um dia de agenda cheia. Temos compromissos em várias instituições relacionadas ao Mercosul - experiência latina de integração regional, que se apresenta como um espaço voltato ao mercado comum e tem como países membros a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai.

Como somos muitos caravaneiros, a fila do banheiro incha e é algo a ser enfrentado, sobretudo, neste hostel onde estamos hospedados, pois a quantidade de banheiros é mínima. Trata-se do Che Lagarto, um hostel charmoso, com uma decoração bastante agradável e muito bem localizado. Para se hospedar em um dos seus aposentos, paga-se uma diária que varia entre U$ 18 e U$ 45, e preferencialmente é preciso dispor da moeda local, que é o peso uruguaio, pois não se aceita nenhum tipo de cartão de crédito ou de débito, e o troco, quando o hóspede efetua o pagamento em dólar, normalmente é feito na moeda uruguaia. Convém saber que um peso uruguaio vale aproximadamente R$ 12,00 (Doze reais).

Estamos no centro de Montevidéu, na Praça da Independência, onde uma das coisas mais gostosas de se fazer é apreciar as pessoas sentadas em seus bancos batendo um papo solto; dá uma idéia de cidade onde a interação é fervente e a tranquilidade tem seu lugar garantido, o que se confirma na prática. Afinal, ontem, em minha longa caminhada pela Calle 18 de Julho, uma das principais vias da cidade, fui abordada por algumas pessoas, todas muito gentis e sorridentes.

Ôps! São inúmeras as faces se mostrando em cada nova esquina, e eu preciso de técnicas para catalogar todas as emoções vividas. Ontem, conhecemos a Universidad del Republica, a única universidade pública do Uruguai, onde existem 80 mil estudantes matriculados. A Universidad tem espaço para todos que querem ingressar no ensino superior. É um verdadeiro show de inserção social! Todos nós ficamos boquiabertos.

Além dessa surpreendente descoberta no campo da educação, descobri também que, em Montevidéu, o salário mínimo é aproximadamente R$ 700,00 (Setecentos reais); a coca-cola é muito cara; as praças são frequentadas; as fachadas das casas são coloridas; a água mineral é vendida em garrafa de vidro, e não de plástico; as mulheres se vestem à vontade, abrem mão do salto e recorrem à mochila para transportarem seus pertences; as árvores contornam a margem das ruas; as farmácias existem em um número que não incomoda; há muitas livrarias; os prédios são belíssimos; os táxis são de cor preta e a maioria é Corsa, da Chevrolet; há lugares que lembram Madrid; o cumprimento entre um homem e uma mulher e entre duas mulheres é feito dando-se apenas um beijo de um dos lados do rosto; as calçadas são muito largas, onde é possível caminhar sem disputar o chão com os veículos, e existem 15 milhões de cabeças de gado no País , cinco vezes mais o número de habitantes, que é pouco mais de três milhões.

De um modo geral, os clássicos traços arquitetônicos de Montevidéu convivem muito bem com a atmosfera moderna que a cidade foi agregando à sua estrutura, de maneira que a qualquer momento seus olhos podem bater numa moldura bem trabalhada de uma robusta porta de madeira, numa varanda com lindas flores coloridas ou num edifício de estética contemporânea, com janelas de vidro de modelo recente. Enfim, Montevidéu é um convite à apreciação calma, e, como em suas calles há muito mais livrarias do que farmácias, arrisco dizer que na capital do Uruguai vive um povo mais criativo e menos doente.

Gostosa forma de gastar as sandálias

Muito saboroso cansar os pés andando pelas ruas de Santiago. A cidade, que tem uma temperatura muito agradável, pois, no verão, o sol quente é amenizado pelo vento frio que a alta atitude dos Andes produz, presta-se a comunicar jovialidade, transmitir poesia e emitir uma performance elegante e doce. Acolhedora, Santiago me encanta com um carinho bom de ser sentido.

A impressão que tenho é que nela tudo funciona. Nada parece demandar muito trabalho ou grande desprendimento de energia. Tudo simplesmente flui. Assim parece o trânsito, embora haja alguns períodos do dia com engarrrafamentos, os motoristas comandem o volante com uma alta velocidade e as sinaleiras abram de um modo que é possível o carro passar justo por onde o pedestre está atravessando - acreditem - mas, ele haverá de ter sempre prioridade na travessia.

Seus ônibus são mais novos do que os de Buenos Aires, há metrô, com trens conservados e limpos, parando em estações bonitas que dão espaço para a arte. Há, por exemplo, uma exposição sobre a fotografia do Chile, na estação Plaza de Armas, que nos deixa perto da Praça do mesmo nome, onde a única arma é a liberdade. Pintores, atores, vendedores de postais ocupam seu centro, fazendo do seu bélico título outra coisa, outra substância.

Em Santiago, há inúmeros bares estilosos - acredito que sentar numa mesa, tomar algo, de preferência pisco, um delicioso arguadente feito de uva e que é produzido no País, é um programa corriqueiro na vida de quem mora na capital do Chile, onde vive um povo bastante atencioso. Estou hospedada no Bed & Breakfast W.Noon, um abrigo muito charmoso e aconchegante, no bairro da Providência, região de Santiago com ótimo astral, onde é possível encontrar lavanderia, padaria, pubs, farmácias, além de dispor de uma estação de metrô. Sinto-me em casa. No W.Noon, o café da manhã é simples, mas a cozinha é nossa, o que suaviza o senso de impessoalidade que costuma configurar os hotéis.

Seu proprietário espalha gentileza. Hoje, me ofereceu vinho e degustei mais uma vez um dos produtos mais apreciados do Chile. Ele é arquiteto e também pinta telas, as quais compõem a decoração do seu empreendimento, que conta com uma pequena biblioteca, banheiros claros e com banheira, quartos harmoniosos e uma linda fachada feita com preciosos traços clássicos. Para completar, está situado numa rua delicada, com casas muito fofinhas.

Estando em Santiago, a alma cresce, porque além da Cordilheira ser um convite à expansão dos nossos sentimentos, aqui se encontra uma das casas onde viveu Pablo Neruda. A história que esta habitação guarda é de uma lindeza de fazer chorar. A residência foi construída, em 1953, e recebeu o nome de La Chascona em homenagem à Matilde Urrutia, o grande amor da sua vida.

E é o amor quem explica a estrutura da casa, pois trata-se de uma construção, com forte inspiração no mar, e que está distribuída em duas partes: uma delas é estreita, apertada, com pouquíssima ventilação e estes aspectos estão associados ao período em que o casal mantinha em segredo o belo romance que tomou os seus corações. O sigilo durou de 1946 a 1955; os dois inicialmente levaram um relacionamento às escondidas porque Neruda ainda era casado com sua segunda companheira, quando se envolveu com Matilda. O curioso é que a outra parte da casa é espaçosa, mais ventilada, mais colorida e foi erguida exatamente quando o amor entre Neruda e Matilda, em 1955, ganhou a liberdade para ser mostrado para o mundo. Conclusão: o amor, quando escondido, acaba por ficar reduzido, curto, incomôdo. Por esta razão, salvemos o amor, o façamos inteiro e não aos pedaços. Que o amor seja demasiadamente explícito, que goze de plenitude e esbanje beijos, calores, fogo, inspiração. Após visitar a La Chascona, só posso dizer que conheci a casa-amor, o amor-casa do ilustre Senhor Pablo Neruda, o que me deixou ainda mais amante e desejosa do amor, que é, para mim, a grande mola da vida. Amemos e sejamos amados!

Sentindo dentro de mim



Somente para tentar comunicar o que é a Cordilheira dos Andes.















25 de janeiro de 2010

A delícia de ser engolida

Eis que meus olhos alcançam a Cordilheira dos Andes! A vontade de gritar me visita. Respiro, suspiro, percebo e emito, para mim, em silêncio e profundamente: que fascínio de lugar, meu Deus!

Fico sabendo que estamos a 3.500 metros acima do nível do mar. O coração acelera. A palavra que vem em minha cabeça? imensidão. Olho para os lados, checo tudo em minha volta; tudo é altura.

Não me rendo à nenhuma tentativa de pergunta, simplesmente contemplo, saboreio, mastigo. Alcanço a apreciação, o susto, o medo, as cores desconhecidas, as  texturas impensadas, a temperatura gelada, o céu muito azul e sinto vontade de que mais gente veja toda aquela beleza.

Sinto-me dentro da mãe terra. A montanha me engole todinha. Caminhões, ônibus, carros e as poucas construções que existem tornam-se miudezas como as de uma maquete. Há pedras, pequenos riachos, um tom novo de marrom, o branco da neve fazendo cobertura para os picos.

Localizo um jogo de luz e sombra, enlouqueço com o que vejo, transporto-me para não sei onde. Tudo é incrível de ver e de sentir. Os registros fotográficos não dão conta da grandiosidade e, mesmo não querendo, a pergunta me atinge: o que a mãe natureza viveu para alcançar este formato geográfico?

24 de janeiro de 2010

De Buenos Aires para o Chile

O caminho cresce e vamos nós para o Chile, terra do grande Pablo Neruda. Estou ansiosa e fazendo uma oração para que a poesia me visite desnudada e leve, em Santiago, e lá eu seja a captadora de vida em forma de verso. Adoro estar nesta posição, na posição de quem ganha o mundo, através da palavra que brota da ocorrência dos dias. Afinal, trata-se de uma posição que amplia quem somos. E como é maravilhoso ser mais um pouco, ir além, cruzar a linha!

Bom, daqui a mais ou menos uma hora vamos mais uma vez entrar no ônibus e ultrapassar mais outra fronteira. Será a divisa entre a Argentina e o Chile. Estou adorando adentrar os territórios nacionais pelo chão e não pelo céu. É um jeito curioso de se chegar a um país. A fronteira parece uma terra sem chance para os elos. Afinal, é simplesmente uma via. Estando nelas, me ponho a pensar no que significa passagem, trânsito, intermédio. E como a vida reúne tanto destes componentes, sendo ela, a vida, uma aventura sem grandes certezas!

Foram três dias em Buenos Aires, uma grande metropóle, com ruas largas e agitadas. Para chegar aqui, alcançamos um evento histórico: conseguimos percorrer um caminho que há três anos está interditado por um movimento ambientalista, localizado logo depois da fronteira entre o Uruguai e a Argentina. O corte da estrada, como eles chamam, é para protestar contra a montagem de uma indústria de papel, em terras uruguaias, e que contamina as águas do Rio da Prata. Trata-se do pouco conhecido Conflito das Papeleiras. Ao me deparar com este acontecimento, chegou mais uma vez em mim a sensação de que pouco sabemos da América Latina, das suas lutas e buscas.

Encontrar com este conflito foi uma experiência muito tocante, pois as donas de casa, senhoras com mais de 60 anos que, sentadas em cadeiras de praia, se instalam na passagem, impedindo que se siga para adiante - de modo que os veículos que buscam esta rota, voltam para trás e precisam procurar outra alternativa de acesso à Argentina - têm uma generosidade incrível. Sabendo da nossa viagem, num ônibus, saindo da Bahia até a Venezuela, para estudar a integração da América Latina, visitando nove países da América do Sul, não só permitiram nossa passagem, como nos conividou para conhecermos a cidade onde vivem e que se chama Gualeguaychu.

Uma charmosa cidade com 80 mil habitantes e com oferta de aprazíveis passeios de barco, que não fizemos em virtude do pouco tempo que temos para tudo. Em Gualeguaychu, almoçamos, eu não abri mão de tomar um vinho e fomos guiados pelas ruas por Jorge, um dos militantes do movimento, que fala com os olhos brilhando sobre a luta contra a indústria de papel. A noite em que dormimos em Gualeguaychu coincidiu com a assembléia do movimento. Não só participamos da assembléia, como fomos aplaudidos, por sermos estudantes brasileiros conhecendo a América Latina. Ficamos arrepiados.

Para falar do encontro com o Conflito das Papeleiras, preciso de mais tempo e espaço, matérias que estou sem, neste momento, pois preciso tomar café e apanhar minha bagagem no quarto. Tenho os dedos em contato com as teclas e o pensamento movendo-se, junto com o coração, para querer contar tudo que me chegou em terras argentinas. Não posso sair daqui sem dizer que nos encontramos com as Mães da Praça de Maio, no final da tarde de quinta-feira. Foi muito emocionante. Meus olhos viram senhoras com mais de 85 anos esbanjando uma vontade linda de viver e de mudar o mundo. E meus olhos estão simplesmente muito impressionados com esta visão. Trata-se de uma semente que encanta e enche o peito de esperança.

23 de janeiro de 2010

Falando

Meu computador apresentou um problema, e eu estou impossibilitada de usá-lo para escrever no blog e fazer outras coisitas que dependem de acesso à internet. Isto está me deixando um pouco fora de órbita. Já pedi ajuda a alguns companheiros caravaneiros, mas ninguém achou o defeito ainda. Tenho esperança de que Fabrizzio, que para tudo tem jeito - ele é o nosso coordenador executivo, a quem apelidei de "meu herói", porque soluciona as coisas mais complicadas em termos de logística - possa resolver o nó. Agora uso uma máquina do hotel onde estamos hospedados, em Buenos Aires. Sim, trata-se de um hotel, e de luxo, rs... A Odebrecht, uma das nossas apoiadoras, vai garantir hospedagem em todas os países onde tem sede. Preciso parar por aqui. A rua me espera.

21 de janeiro de 2010

Um registro de Montevidéu
















O senso de observação continua me acompanhando. Percorri algumas ruas de Montevidéu, olhei daqui, olhei dali, e fiz algumas leituras. Mas, enquanto não sobra tempo para escrever o que colhi, deixo uma imagem que comunica uma de suas belezas: a gostosa presença das árvores lhe enfeitando.

17 de janeiro de 2010

Domingo no Uruguai

"Desfrute", me diz Aria, professora que conheci na Praça da Independência, em Montevidéu, assim que desembarcamos, o que aconteceu aproximadamente às 20 horas, sob um sol que equivale ao das 16h no Brasil. Ela estava sentada num banco da praça com Álvaro, um clarinetista que é seu amigo, e os dois, ao verem a Caravana chegando, se interessaram para saber do que se tratava. Enquanto a comissão de hospedagem conferia se havia vaga no albergue, eu resolvi caminhar um pouco pela praça para sentir e respirar o cheiro da cidade, que é simplesmente um charme, quando fui abordada por eles. Conversamos rapidamente, mas o suficiente para me desejarem sorte e falarem o quanto é lindo o que estamos fazendo, ou seja, cruzando boa parte do nosso continente num ônibus. Fiquei ali escutando as palavras carinhosas dos dois e tendo a sensação de que pisar em Montevidéu, recebendo as doces frases ditas por Aria e Álvaro, é um presente, pois não havia melhor forma de chegar em solo uruguaio. Afinal, a mensagem foi: "desfrute". E lá vou eu. Tomarei um banho, colocarei sapatos vermelhos e andarei por onde ainda não toquei.

16 de janeiro de 2010

Superação do impeditivo da fronteira e mais estrada

Estou em mais um quarto de hotel. Desta vez, numa cidade brasileira que ainda nem sei o nome. Desembarcamos bem depois da meia-noite, após termos cruzado mais outra fronteira: a que faz divisa entre a Argentina e o Brasil. Por sinal, esta é uma fronteira bastante movimentada e com muitas filas. Ali conhecemos o valor do peso, moeda argentina, que vale bem menos do que o nosso real. Meu lanche, por exemplo, custou R$ 6,00 (Seis reais). O tanto que comi, se fosse comprado numa lanchonete brasileira, seria bem mais caro. Chegamos aqui neste município brasileiro sob uma temperatura mais baixa do que a que estávamos pegando nos últimos dias. Já tomei banho e preciso me recolher porque a previsão de saída em direção a Montevideo é 4 horas da manhã. Isso: saímos do Paraguai, passamos pela Argentina, voltamos para o Brasil e seguiremos para o Uruguai. Sim, o zigue-zague faz parte do nosso movimento e pede paciência. Foi um sábado de muita estrada, após termos conseguido ultrapassar a barreira colocada pela fronteira argentina. Dedicamos o turno da manhã para conseguirmos as recomendações do Consulado, que foi aberto exclusivamente para o nosso atendimento, e, na fronteira que ontem nos barrou, passamos, após muita conversa, explicações e revista de todo o ônibus, que foi completamente esvaziado, ou seja, retiramos todas as bagagens, as quais foram examinadas numa esteira de detectores de metais e outras coisitas, improvisada dentro de uma Van, que fica na extremidade da fronteira. Para animar o dia, tive o lindo pôr-do-sol na fronteira entre a Argentina e o Brasil, e que aconteceu pra lá das 19 horas; a bela vista do Rio Uruguai; o alô que dei para meu amado e meus pais; a mensagem linda que meu pai me passou no celular; a sua saudação para os motoristas, de quem sente "inveja", rs... porque gostaria de estar fazendo esta linda viagem; a cantoria dentro do ônibus e o céu mais que estrelado, que vi com a janela do ônibus aberta e os olhos com lágrimas, pois senti uma pulsação incrível de vida em mim. Como é maravilhoso viver e contemplar! Meu Deus, obrigada por tudo.

15 de janeiro de 2010

Primeira fronteira difícil

Escrevo de dentro do ônibus, às 02h21. Estamos na fronteira entre o Paraguai e a Argentina, no lado paraguaio, depois de termos demorado bastante tempo para conseguirmos passar para o lado argentino. Uma vez atravessado para lá, retornamos para o lado paraguaio porque fomos impedidos de entrar em Posadas, em terras argentinas, onde inclusive tínhamos reservado hospedagem. Os guardas cobraram um documento que o Brasil não concede em casos de transporte federal (placa branca), como é o ônibus da UFBA que está nos transportando, sob o apelido de Inulatão, pelas belas estradas da nossa América do Sul. Isso foi explicado para eles, mas não houve jeito, e tivemos que voltar para a cidade fronteiriça em solo paraguaio, e que se chama Encarnação, em português. A recomendação é atravessarmos a fronteira, amanhã, trazendo conosco uma recomendação do Consulado, o que vamos solicitar também amanhã. Isso poderá ser facilitado porque o embaixador do Brasil no Paraguai nos deu seus contatos e disse que podemos contar com ele para tudo. Sendo assim, agora vamos dormir no Paraguai. A exigência da equipe de fronteira do lado argentino está completamente equivocada, disse nosso coordenador, que é professor de Relações Internacionais. Chamo atenção para o fato de que a Argentina é integrante do Mercosul, como o Brasil, o que agrava ainda mais o impedimento que nos foi dado na fronteira. Agora estamos indo para uma pousada em Encarnação. Hum! E, para todos os caminhos que fazemos, haja GPS e consultas e consultas a mapas. Não é incomum os motoristas, muito habilidosos, por sinal, fazerem manobras de volta, acionar a ré e buscarem outro atalho. Isso nos gera uma sensação incrível de desbravamento. Ainda sobre a não-travessia da fronteira, me impressiona ver como as mercadorias circulam livremente pelo mundo, e, nós, pessoas, não. Bom, escrevo de um computador emprestado. A viagem já está no nível do compartilhamento de equipamentos, comida, itens de beleza etc. Ah, temos em nosso ônibus uma impressora que nos ajudou muito na fronteira paraguaia, pois precisamos imprimir alguns documentos. Mais um informe: saímos de Assunção por volta das 16 horas, e o caminho até aqui foi recheado de pontes extensas, mas só vi uma delas. A mais bonita, me disseram. Não vi as demais porque dormi. O cansaço bateu. Vou parando por aqui num momento em que Marivaldo, o motorista deste momento, faz mais uma manobra de volta para outro ponto. Como é bom estar em estradas que nunca imaginei antes.

14 de janeiro de 2010

Chego mais perto




Converso com Samir Roberto, índio com muita cor em seus 58 anos de idade, e me sinto mais latina

Atravesso e toco uma camada mais profunda

Na praça Uruguaia, faço uma rápida entrevista com José Rodriguez, uma das lideranças do Espaço Unitário Popular (EUP). Ele me fala da luta do povo paraguaio para conquistar terra, e assim plantar, colher e comer. Ouço atentamente, faço algumas anotações e me despeço, sentindo que colhi belezas. Ele aperta minha mão com a verdade, a força e a energia dos que têm coração. Que mágico!

A capital vai se mostrando


Continuo seguindo


Em Assunção, faço a curva para a segunda camada


A camada do comércio
















Caixas, sacolas, muita mercadoria, e a primeira camada do Paraguai é tocada por mim. Saio de Ciudad del Leste portando uma câmera de vídeo e querendo ultrapassar a casca da mercantilização, que contorna a fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Faço uma foto que sintetiza esta passagem e sigo para Assunção, querendo encontrar o néctar da terra paraguaia.

Primeira camada















Atravessei andando a Ponte da Amizade

Dando-me às Cataratas














Antes de compartilhar as fotografias feitas em terras paraguaias, sinto vontade de pôr esta, que mostra como fiquei ao conhecer as Cataratas do Iguaçu: meu sorriso quis ir para o alto, e eu o levei.

Outras camadas do Paraguai

Ficou para trás, na tarde de ontem, a Ponte da Amizade, tão mostrada pela mídia, através das imagens das pessoas jogando suas compras no rio, para se livrarem do pagamento do imposto, que, segundo os vendedores das lojas, é de 50% do valor do produto adquirido, e, quando se paga, leva-se em média duas horas numa operação que acontece numa agência do Banco do Brasil, situada na aduana, como uma continuação da Receita Federal. Não tem como passar por essa tão televisionada ponte, e não acessar o arquivo, que em nós, é formado por meio das notícias. Logo, é mesmo impressionante como os meios de comunicação constroem nosso olhar sobre os espaços, as pessoas, as ideias, os sentimentos etc. Constatação esta, que além de nos obrigar a lutar por uma comunicação que permita a expressão de todos e todas, nos diz que precisamos caminhar, nos movimentar, sair de onde estamos para ver o que é mesmo que existe no mundo, saber como é o mundo, tocar o mundo. Estou nessa. Nessa de enxergar o Paraguai para além de uma grande loja comercial, onde tudo se compra e se vende. Quero falar muito mais de como estou me sentindo, ao ver e viver um Paraguai que ultrapassa as marcas Sony e Panasonic, e que vai além dos perfumes baratos e das negociações escusas. Sim, estou tocando um Paraguai que luta pelo direito à terra; um Paraguai, que em suas ruas, abriga carros antigos, mas não pessoas famintas; um Paraguai, onde a sopa não se pode tomar de colher, pois é sólida, e a agitação parece ser uma palavra fora do vocabulário do seu povo, pois Assunção é uma cidade pacata e carrega uma simplicidade - que a princípio - parece decifrável para quem a olha com atenção. Sinto vontade de preencher mais este texto com as vivências tidas aqui até o momento, mas vou precisar conclui-lo, o que farei deixando alguns registros fotográficos feitos na minha caminhada pelas "calles". Sim, há muito já em mim para sair em forma de palavra, mas daqui a pouco vou participar de uma entrevista com Belarmino, um dos condutores do Movimento Campesino Paraguaio (MCP). Depois, devo visitar a sede de uma emissora de televisão comunitária e conhecer um pouco mais desta cidade, que foi por mim encontrada, por volta da meia-noite de hoje, quando a Caravana aqui chegou. A saída de Foz de Iguaçu, a travessia da Ponte da Amizade e a chegada aqui ainda merecem muito mais de minhas mãos escreventes. E que este mais venha.

12 de janeiro de 2010

Muitos quilômetros

Tomei banho, o corpo não está tão cansado, a fome vem chegando e daqui a pouco vou comer. Provavelmente será um sanduíche, já que o cheiro de pão assando, com recheio de queijo e presunto, toma conta do ar. Há um barulho em volta de mim, mas vou tentar sublimar o cerco que me rodeia, pois sinto a necessidade de falar da conversa da minha pele com o tempo.

Bom, mas antes de qualquer narrativa nova, preciso fazer um anúncio mais completo do meu momento atual. Vamos lá: Eu, Sarah, 32 anos, jornalista, doutoranda de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), devota das palavras, desejosa de mais conhecimento e amante do amor, fui selecionada, no dia 15 de dezembro, para a Iniciativa UFBA Latina (INULAT), uma caravana que consiste numa expedição terrestre composta por 17 estudantes, seis documentaristas e dois motoristas e que, com o objetivo de estudar e valorizar a integração regional da América Latina, vai percorrer nove países da América do Sul.

O ônibus, que leva a Caravana, todo colorido e com um mapa estilizado dando-lhe marca única, saiu de Salvador, sexta-feira última, dia 08, sob uma emoção deliciosa: meu pai, minha irmã Cláudia, meu namorado e meus amigos, assim como os familiares dos outros integrantes da Caravana, foram acompanhar a partida da Caravana e nos deixaram seus depoimentos sensíveis. Num desejo coletivo de boa viagem, seguido de uma oração feita em roda, o motor do ônibus foi acionado e a saída aconteceu. Obá!

Eu colhi todas as delícias da partida, que aconteceu no Campus da UFBA, em Ondina, mas deixei o ônibus seguir, pois precisava fazer algumas coisas, em Salvador, antes de me lançar na viagem de dois meses pelo nosso continente. Ontem, segunda-feira, após um fim-de-semana de gostosas horas, embarquei então numa longa viagem aérea para a cidade de Foz de Iguaçu. Foram três aeronaves até chegar em Foz.

Ainda não passaram 24 horas desde que cheguei e muitas sensações me visitaram. Agora faz uma noite de chuva, estou num albergue espaçoso e verde, após um dia de pouquíssima ventilação e imagens colhidas nas Cataratas do Iguaçu. Que exuberância, meu Deus! Ali reside o poder da água que bate com força na pedra. Huhuhuhu! Que assim permaneça, que assim permaneça e nada me escape, que assim permaneça e nada me leve para o contrário do olhar expandido, que assim permaneça e o meu coração cresça com as emoções boas, que me tomarem pelo extenso caminho, que, amanhã, ruma para Assunção, no tão vizinho Paraguai, onde o Brasil acionou uma guerra, deixando uma triste passagem em nossa história. Vamos ver o que vou sentir lá.

4 de janeiro de 2010

Nada é por nada

Não foi em vão, foi meu corpo que não aguentou. Sou muito corpo para não ter meu corpo no lugar que merece em minhas vivências. Meu corpo me guia no mundo. Meu pé é mais do que meu pé. Minhas pernas precisam de mãos que lhes toquem. Meus seios precisam do tato masculino e da língua que circula tudo que sou e levo comigo.

2 de janeiro de 2010

Que a energia se renove

E eu, que passei o ano de 2009 todo sem consegui me conectar com as datas que requerem os meus rituais, transformei o reveillon numa noite perdida e vazia de alegrias. Não houve fogos acima dos meus olhos e nem espumante descendo pela garganta. E de tudo tinha para ser uma excelente passagem de ano: namorado amável; festa poética em casa de amiga sensível; um poema, de Adélia Prado, e outro, de Damário Dacruz, decorados para falar na hora da virada; o último pôr-do-sol do ano, visto com o meu amor, no Porto da Barra; livro para dar de presente à amiga; duas flores vermelhas em casa; uma fruteira linda esbanjando bananas, ameixas e uvas; vestido branco comprado com antecedência. Ou seja, a quinta-feira caminhava para encontrar um delicioso desfecho, quando o último banho do ano me chegou como uma negativa a tudo de belo que poderia me ser. Toquei o meu corpo e senti sensações que me diziam o quanto corri nos 12 meses do ano, de modo que anversariei atropeladamente, após uma viagem ao Rio de Janeiro; não amei bem os que precisam dos meus presentes; não consegui estar ritmada com a celebração e nem pude ter uma conversa de pé de ouvido com a contemplação; me escapou o espírito contagiante que me estabelece na vida como amante de tudo de maravilhoso que habita o mundo; se foi um senso leve que me significa pureza, e o meu feminino simplesmente se perdeu. O banho me disse o quanto eu não tive tempo para mim, para me perceber, e esta constatação no último banho do ano me fez me desmanchar em palavras perdidas, me desfazer em chamados que não me servem. Briguei com quem me gosta, espalhei o que não edifica e, de salto alto vermelho, caminhei sozinha pelas ruas. Fiz o trabalho sujo de estragar o reveillon. E como me dói saber que fiz isso, que não segurei e emoção que me chegou, ao pendurar a toalha no banheiro. Depois que me sequei, sei lá o que me deu, que eu me transformei numa alucinada mulher gritando as insatisfações. Meu Deus, me cura disso, me cura dessa pressa, dessa necessidade de estar permamentemente ligada, me cura de ter tantos diferentes pensamentos ao mesmo tempo, me salva do que eu não preciso ser, não me deixe me perder em embaraços. Que 2010, eu sinta, simplesmente sinta, com leveza, esta vida linda que o Senhor me deu.