14 de novembro de 2012

Cabeção

Mil pensamentos novos girando na cuca, bagunça boa causada pela aventura do saber, lucidez tomando as rédeas do cérebro e o anúncio de que minhas ideias parecem viver uma  fase mais límpida. Gosto disso, sinto cheiro de flor e já me vejo dando um adeus à confusão das referências autorais. Após um contato inegável com o tanto de contradição que eu posso promover a uma pesquisa que se propõe a democratizar a voz, e depois de sentir uma esfera nova querendo se desenhar em meus trejeitos de quem elegeu a um só tempo a euforia e a leveza como parceiras de caminhada, só me resta prosseguir, crescida.

13 de novembro de 2012

Sarah's

A Sarah, que há cinco meses só faz escrever uma tese, está necessitada de conhecer a Sarah-pós-tese, mas, entre uma e outra, há muitos passos a serem dados e estes só cabem nos pés da Sarah, que há cinco meses só faz escrever uma tese. Logo, Sarah precisa continuar escrevendo uma tese.

26 de outubro de 2012

Paladar

O gosto de céu com nítidas estrelas e lua pungente ainda povoa o meu hálito. Hoje, não quero nem beber e nem comer nada. Que permaneça em mim todo o sentir que a noite genuinamente iluminada me deu.

23 de outubro de 2012

Bonita forma de possuir algo


Dona Myrian, proprietária do apartamento onde morei em Strasbourg, me escreve contando: "alugamos TEU apartamento para uma estudante grega". Eu, que não disponho de casa própria, estou de passagem improvisada na residência da minha família e tenho minha geladeira, meus livros, minha cama etc. encaixotados dentro de um galpão, recebo este "teu apartamento" com uma alegria tão profunda... Este é o tipo de posse mais bonito que se pode acessar: algo é meu porque nele eu vivi e nele me inscrevi, e não porque eu o comprei. E, antes de decidirem novamente pelo aluguel do imóvel, Dona Myrian e seu marido me consultaram para saber se eu não voltaria a morar em Strasbourg, pois, se sim, eles guardariam o "meu apartamento" para mim. Eu me alegro muito em ver como naquela cidade tudo transcorreu como o desenrolar tranquilo de um novelo de lã.

7 de outubro de 2012

Lembrete

Gente querida, 

Daqui a algumas horas em todo o território brasileiro as seções eleitorais serão abertas aos votantes e é indispensável termos em mente que se, hoje, um homem ou uma mulher pode apanhar a chave de uma escola pública para receber os eleitores é porque há alguns poucos anos muitos outros homens e muitas outras mulheres deram a vida contra a ditadura. O "simples" gesto de mover a fechadura de um espaço, liberando-o aos eleitores é uma realidade conquistada a duras penas e eu torço enormemente para que as aberturas, que estão nos levando à maturidade democrática, se aprofundem. Desejo que nosso processo eleitoral não seja modelo porque dispõe de urna eletrônica e tecnicamente é exemplo para outros países, mas que seja referência em virtude da realização de uma virada histórica, que conta com a escolha de representantes realmente comprometidos com a justiça social. E lembremos: participação política não se restringe ao voto, ela é uma experiência cotidiana.


6 de outubro de 2012

Antecipação do resultado

Dois dos tradicionais colégios de Feira de Santana são a prova de que na difícil luta do idealismo contra o capital este, infelizmente, quase sempre sai vencedor. O Nobre e o Anísio Teixeira começaram sua história, tendo no comando pessoas comprometidas com a produção saudável e libertária do conhecimento. Luciano Ribeiro, no primeiro caso, e Ana Angélia e professor Jerônimo, no segundo. Atualmente, as duas escolas são administradas por verdadeiros comerciantes da educação e Luciano, Ana Angélica e Jerônimo saíram de cena.

Considero emblemática esta cessão do horizonte essencial do saber às cifras que correm nas mãos dos atuais diretores dos citados estabelecimentos educacionais, pois revela como a cidade, que emergiu de uma feira, tem mesmo forte vocação para o comércio. Estudei no Anísio e tive a sorte de ter sido aluna de filosofia do professor Jerônimo, cujas aulas não esqueço. Contato menor eu tive com Ana Angélica e jamais interagi com Luciano Ribeiro.

Deste o pouco que eu sei foi construído a partir de uma escuta nada estruturada das falas da minha família sobre sua história de oposição à ditadura, e que é também a de Chico Pinto, e, se alguém é contra o horror do autoritarismo e a castradora repressão, eu gosto imediatamente. Mas Luciano, que na barganha da defesa dos valores da educação, perdeu para o magnata do colégio Nobre, nas atuais eleições municipais se rendeu ao lado que lhe perseguiu, tornando-se candidato a vice-prefeito na coligação que nunca virou a página do coronelismo.

Além da desesperança que representa a associação de Luciano a Zé Ronado, a disputa para o executivo e o legislativo municipal traz mais uma perda e esta para ser compreendida requer outra retrospectiva.

Cresci na cidade de Feira de Santana de onde saí aos 17 anos. Sem praticamente nada entender acerca da prática política, no começo da adolescência eu nutria uma grande admiração pelo prefeito Colbert Martins da Silva. Ele era do PMDB, usava cadeira de rodas, tinha ideias inovadoras e representava uma força popular fascinante. Lembro de Feira ter sido notícia nacional num tempo em que isso ainda era visto como uma grande coisa, pois os projetos de Colbert o colocavam numa condição de um homem público arrojado e com ideias de cunho estruturante para a cidade, ou melhor, para o Estado, e isso foi motivo de reportagem de grande alcance.

Infelizmente, Colbert, ao contrário do sábio Lula, não fez escola, ou seja, não deixou discípulos que continuassem sua atuação comprometida com o coletivo. É bem verdade que um dos seus filhos ingressou na carreira política e veio a ser deputado federal e também candidato a prefeito em Feira, mas não se elegeu. Por carregar o gene de um humanista e ter atuado de forma honesta no parlamento, transitou positivamente ao lado de referências como o intelectual Ildes Ferreira, o ex-padre Albertino Carneiro, minha avó Linézia Carneiro, o pensador Elói Barreto, os ativistas Nedson e Chica, do MOC, e os já citados Luciano Ribeiro e professor Jerônimo na galeria dos que, em Feira de Santana, colocam a justiça como um valor orientador e sabem que pobreza e exclusão não são dados naturais, mas frutos de uma desigualdade social historicamente construída, que, na Bahia, teve a forte contribuição do Carlismo.

Nestas eleições municipais, assim como Luciano Ribeiro, Colbert Filho, ou melhor, Colberzinho, como é conhecido, se aliou a Zé Ronaldo, ex-prefeito da cidade e integrante do partido Democratas, antigo PFL. O educador e o filho do prefeito mais respeitado da história de Feira de Santana tornaram-se cúmplices de um homem, cujo talento para a ditadura se equipara ao de Saddam Hussein e este encontro sinaliza a ruptura de Colberzinho com a forte simbologia do seu pai e a desistência de Luciano de emprestar seu nome à mesma fragrância que exala do respeitado nome José Jerônimo de Moraes, professor emérito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e que há muito tempo me ensinou a ver filosoficamente Deus e o amor.

Não sei, hoje, claro (ops, não é tão claro assim, pois em terra onde voto é mercadoria, eleições podem ser compradas), o resultado da disputa eleitoral que vai acontecer amanhã para prefeito e vereador. Mas, independente do veredito, tenho certeza que a maior derrota já aconteceu. Os perdedores do pleito de 2012 na cidade de Feira de Santana são a coerência, a memória de Colbert Martins da Silva e o time dos dignos, na medida em que Colberzinho e Luciano cometeram a estupidez de aderirem ao elitismo, que é sinônimo de nepotismo e maltrato às classes populares.

Tétrica cidade

O município de Feira de Santana é desprovido de espaços e eventos aprazíveis, sejam eles ofertados pela geografia, sejam eles providenciados pelo poder público ou por um grupo. É verdade que há cidades, onde a natureza se fez bela e/ou a efervescência artística emergiu, de modo que contam "naturalmente" com fontes que servem como um poderoso contraponto aos desmandos todos que acontecem em sua cercania; um rio limpo e vigoroso, por exemplo, representa um canal de respiro a uma realidade penosa. A transcendência pode ser também acessada num espaço cultural que disponibiliza uma vasta e criativa programação.

Feira, a meu ver, não foi agraciada nem com estas e nem com outra modalidade qualquer que seja de zona de escape, afinal, não dispõe de uma montanha energizante, um parque público agradável para caminhar ou algum endereço parecido. A cidade não é nem um pouco bonita e sua feiura advém do fato de sua estrutura estar calcada, sobretudo, no comércio, de modo que é excessivamente povoada pelos seus signos, leia-se: placas luminosas estupidamente grandes, infinidade de grades de proteção contra roubo, poucas árvores (quero deixar dito que vejo beleza, poder e sapiência em muitas cidades do interior, mas Feira não está entre elas). E este lugar, que já é tradicionalmente desprovido de beleza natural e urbana, ficou ainda pior com as eleições municipais.

A cidade de Feira de Santana alcançou o impossível: conseguiu se enfeiar ainda mais durante o período eleitoral. O ego do ex-prefeito e sua sede de poder alcançaram a sordidez e produziram uma baixeza temerosa, por outro lado, as promessas do atual beiraram o ridículo, pois são irrealizáveis. Ele reproduz pateticamente a oferta de promessas sedutoras e sem nenhuma, absolutamente nenhuma chance de virarem realidade. MUITO, MUITO NOJO DAS DUAS CONDUTAS!

A princesinha do Agreste ficou tétrica ao vivenciar uma disputa danificada. Desenrolou-se um processo eleitoral muito rasteiro, com armações audiovisuais inaceitáveis. O ex-prefeito contratou alguém para imitar a voz do candidato do PT e simular negociações escusas. Não satisfeito em mostrar uma armação extremamente tosca no rádio e na televisão, reproduziu incontáveis CDs com a tal mentirosa gravação e, numa dada noite, jogou de três a quatro unidades nas casas das pessoas. Algo horrível! Deprimente! Que arremessa a ética no lixo com tanta veemência, que arranha nossa fé na política e rouba muito do nosso fôlego.

Estas desrespeitosas estratégias são tão ultrajantes, que o dantesco horário eleitoral com candidatos, que optam por performances altamente jocosas, se tornou café bem, bem pequeno frente à baixeza do ex-prefeito e do prefeito atual.

3 de outubro de 2012

Novidade

Estou subtraída da vida que corre lá fora e do lado de cá um mesmo sempre movimento me conduz à feitura inadiável de uma tese de doutorado.

A este desafio, que se prontifica todos os dias diante de mim, eu entrego minha totalidade com a ressalva de que a doação integral da minha energia não me custe a rachadura do umbigo e nem a inflamação da garganta, pois, embora seja muito gratificante ficar mais sabida, eu preciso continuar com minha saúde intacta, claro.

Ok, está tudo bem comigo, mas ainda assim não abro mão de fazer perguntas desorientadoras sobre as tramas e os caminhos. Afinal, imitando o homem que emergiu do barro, vim eu da elegante curva que questiona o estabelecido. Não tem pra onde correr: sou oriunda da matéria interrogação.

E se, desde que me transformei numa serva da leitura e da escrita científicas continuo fiel às perguntas existenciais, por outro lado, no quesito sono, me perdi completamente e, um dia, durmo demais, noutro, de menos.

As horas disponíveis para o trabalho se movem agora de um jeito esquisito, mas infinitamente menos extraordinário do que a feitura do diário de uma viagem de não ida à Grécia, para onde partiu meu namorado.

Em suas páginas tenho desaguado o não-vivido e isso, contraditoriamente, tem sido o viver mais novo ao qual estou tendo direito. Hoje, por exemplo, vi o mar mediterrâneo exatamente porque meu amado me mostrou.

Que bom que a arte de amar envolve presentes que não são vendidos em loja e estão por aí esperando os presenteadores e os receptores, e que bom que pela manhã fui eu a receptora e meu amor o presenteador de uma magnífica paisagem que dorme e acorda na Ilha de Santorini.

Minha quarta-feira ficou tão mais viva com este regalo...

Continuidade

Na mão direita carrego todos os sonhos que me habitam e na esquerda tudo que eu preciso fazer para que aquilo que eu desejo se transforme em realidade. Gosto de carregar profundidades. 

7 de agosto de 2012

Dedicada aos afazeres

Em 07 de agosto de 2012, 

eu humanizei urbanidades, 
desacordei os pés, 
reafirmei os sonhos,
reli a gramática da coragem.
revi ideias, 
realinhei projetos, 
cumprimentei impulsos e
desocultei medos.


Em 07 de agosto de 2012,

tive saudade das árvores da "Casa do Fim do Mundo",
imaginei uma charrete francesa como cenário
comprei livros de Karl Marx, Engels e Leonardo Boff, 
confundi anfíbios com répteis, 
fiscalizei o percurso de uma carta  
e à necessária travessia eu acrescentei  um pouco mais de conteúdo.



Em 07 de agosto de 2012,

eu enviei o canto dos pássaros para meu amor, 
recebi poesia como resposta e soube
que suas mãos, construtoras de ninhos humanos,
devolveram vida a um lago.
Dispus eu, então, de recado saudável
para transmitir à natureza.


Em 07 de agosto de 2012,

eu muito fiz, mas n
ão senti cansaço. 
Eu apenas toquei a minha interminável vastidão. 

Trem Das Cores



Quando eu olho para ele, sempre vem em mim alguma coisa sobre passos dados e lugares alcançados. É que eu gosto de saber que saiu de Santo Amaro, ganhou o mundo e, a seu modo, sabe estar conectado com seu universo originário, seja cantando em frente à Igreja da cidade, seja participando do Cortejo de Reis no comecinho do mês de janeiro. "Trem das cores", uma das suas lindas composições, tem o poder de me levar para locais de onde eu custo voltar, mas sempre gosto de ir.

24 de julho de 2012

Tempo transcorrido e lugar alcançado

Ela adentrou satisfatoriamente os 60 anos de vida. Ele, após 60 anos de trabalho dedicados a um mesmo hospital, se aposentou. Corre ele para o encontro com a pintura, o desenho e o canto. Conquistou ela, que jamais teve emprego, aquilo que a atriz da Rede Globo, ex-mulher de um jornalista famoso e apresentador de um Reality Show, deseja aos 45: marido e três filhos que lhes deem amor. Eu, que tenho 35 anos, não penso nos 60, jamais atuei num hospital, fui dançarina, não atriz, sou intensa e tenho tendência para o arremesso no mundo, sei: quero construir minha própria família.

23 de julho de 2012

Em três dias

Minhas várias versões conversam numa língua que eu não domino o código, por isso, preciso de muito empenho para compreender o que dizem e descobrir quem manda em quem.


E mais:


Viagem curta, longas distâncias, duas cidades, meus não-saberes, beiju bem torrado, café e uma boa prosa com ela que tem 94 anos vividos na roça. 


Abraços numerosos, despetrificar da noite pelos faróis, fogão ineficiente, desengonçado manuseio de uma resposta, fotografias e enormes panelas definindo os rumos a serem tomados nas avenidas da cidade. 


O peso do doce, muito feijão, vestido sem alça, salto, samba, a promessa de um presente, descaracterizados afetos anteriores, antecedências e o revisitar não entusiasmante de uma rua


Aniversários sacudindo o espírito, presentes para o mar, filas de carro, amigos, saudade do amor, escritura ampliada, necessários atendimentos, sensações de desencaixe e uma mulher querida em decadência


Uma partida não sentida, olhos que pescam costuras, o jeito artesanal de contar o tempo, espantos e uma nova metáfora a partir da compra do exemplar de um jornal no sábado à noite


E o melhor: tudo isso eu tomo como impulso para acionar reconduções.

29 de junho de 2012

Nas águas dos aprenderes

Tenho gostado de entregar tempo integral à leitura, de doar a cabeça ao que se descortina a partir de cada página lida e de ver os dias entrarem e saírem, como se o sol existisse apenas para negar a noite, mas não para que eu o usufrua, por exemplo, palmilhando descalça o parque florido. É chegado o tempo de atravessar o vasto rio; procuro seguir seu curso, paciente com meu ritmo, perseverante no que vem por aí e, ontem, calibrei a autoconfiança para que fortalecida eu me mantenha. Nas águas novas por onde meu barco passa há aprenderes espalhados pelas correntezas. Recolho-os e vou aprendendo o que significa carregar novidades não partilhadas, o que é ter um caminhão de fotografias percorrendo a memória sem hora prevista para virar álbum; estou aprendendo o que devo fazer para me apropriar da minha atual identidade: mulher sem salário, na casa da família, bagunçando a ponta da sala de visitas, depois de ter voado para terras distantes e ter trazido uma alma exageradamente nutrida das riquezas colhidas do outro lado do Oceano. E o mais importante: estou aprendendo a sentir prazer em minha entrega absoluta ao fazer-a-tese, já que este fazer mais do que fruto das minhas reflexões é a semente do meu próximo voo. É tão gratificante nos render à preparação do belo que virá!

26 de junho de 2012

Que bom que Gil existe



É uma alegria imensa contar com Gil para decifrar as emoções de quem, um dia, sai da Bahia e vai para outras paragens, como eu fiz e voltarei a fazer, sendo este Senhor Gil uma das partes mais lindas da nossa terra Brasilis, aquela parte que nos enche de orgulho, por exemplo, quando nossa voz ecoa brasileiramente estrangeira numa roda em terras francesas, e os da casa, para mostrarem um certo conhecimento do Brasil, o citam como uma referência musical bonita e vigorosa. Eu vivi isso em Strasbourg, e digo: é uma DELÍCIA! E claro que eu fiz questão de agregar para os de lá o informe de ter sido Gil um ousado ministro da Cultura. Salve Gilberto Gil, salve sua caminhada de luz, salve sua genialidade. Todos os meus mais doces e admirados cumprimentos para este homem que chega aos 70 anos, sabendo-se metade ente, metade gente. O mundo fica muito mais artístico com sua passagem por aqui, Gil, e eu peço para que as forças do bem e a inspiração sigam em permanente contato com seu ser.

24 de junho de 2012

O agora

Asas ao meu sentir, narrativas clamando a atenção da escritura e meu senso de experimentação pedindo: "deixe-me assumir a liderança do seu corpo, Sarah". "Mas é tempo de cautela", digo eu, e acrescento: "neste momento o campo intelectual precisa vigorar porque eu tenho um universo pensante a percorrer". Os livros que trazem reflexões antigas necessitam de um significativo espaço no comando da minha trajetória. Mas, sei que sou uma multidão de possibilidades emocionais e me ajudo a desenhar um futuro próximo, no qual não vai faltar amor, com fé em Deus, e os pássaros, que cantarolam alegrias, jamais terão preguiça de fazer uma visitinha.

17 de junho de 2012

Outros significados

Eu não desmonto malas, eu organizo vestígios de vida. Afinal, eu não simplesmente devolvo para os cabides os vestidos não usados e nem jogo mecanicamente as peças sujas dentro do baú. O retorno de uma viagem é para mim um remodelar no qual eu invisto todas as minhas forças para saber quem eu já fui, mas não sou mais; quem eu sou e posso deixar de ser e quem eu ainda serei, a partir das chegadas, das  permanências e das partidas minhas e também do outro.

13 de junho de 2012

De lá e de cá

Dos sabores de lá:

Retorno de bicicleta para casa madrugada adentro depois da festa
Não-medo do homem que passa por mim na calçada no escuro da noite
Grande quantidade de pessoas com cabelo branco
Práticas "juvenis" decentemente estendidas até os que têm mais de 60 anos
Textura da bucha de lavar pratos
O puro azul do céu
O prolongado entardecer da primavera
Guardanapos estampados e bem felpudos
Largos espaços para os pedestres andarem nas ruas
Viagens em trens
Pão, queijo e vinho como o melhor trio a seduzir o paladar

Dos sabores de cá:

Ligação a partir de um telefone público com vista para o mar
Abraços com a participação real do corpo
Facilidade para uma situação isolada virar assunto dentro do ônibus
Sorrisos largos nas esquinas
A cor e o físico das gentes todas
Nuvens brancas que mais parecem flocos de algodão
Algumas escutas
A espera dos meus por mim
Banana frita

15 de maio de 2012

É isto




Quer saber o que há dentro de uma modalidade esquisita de fim? ruptura feita de um modo que não deixa vestígio para ser revista, caixas empoeiradas, necessária dissolução das misturas que brotaram dentro de um galpão que guardou por um período duas casas, elevada praticidade feminina, sentimentos varridos e rapidamente modificados, estranhezas internas, desconhecimento de si e do outro, imediato distanciamento de um rico período de viagens noutro continente, mundos apartados, novos impulsos, outras vontades e esta música sem cessar na cabeça, dizendo: "pra frente é que se anda".

12 de maio de 2012

Quando eu cheguei








Havia uma faixa com frases carinhosas segurada pelos meus pais, minha tia Lúcia e meu amigo Buri, quando pus os pés no Aeroporto Internacional 2 de Julho, na última terça-feira, após pouco mais de um ano vivendo na Europa. 


Pela calça verde que eu vestia e pelo movimento do meu andar, minha mãe, atrás da porta de vidro que separa os que desembarcam dos que os aguardam, me reconheceu e sabia que sua filha estava sã e salva após uma viagem de mais de dez horas de voo. Vixe... e como é bom ser reconhecida, através da cor da roupa e pelo jeitinho rebolante de caminhar! 


Eu era um corpo tomado de sensações totalmente novas, pois estava ali conhecendo com muito mais profundidade os sentimentos que povoam uma mulher absurdamente dada a viagens, mas também vinculada aos seus. Minhas mãos, ocupadas com um carrinho coberto de malas, para as quais eu dispensei mais de dez dias de arrumação, num gingado que reuniu todas as emoções que podem florescer num coração-que-se-sabe-perseguidor-de-emoções-causadoras-de-verdadeiras transformações, rapidamente caminharam em direção aos abraços mais rodopiantes que eu recebi desde o dia 16 de abril de 2011. 


Era um sábado do outono brasileiro quando eu deixei a agitada Salvador e atravessei o Oceano, para do outro lado descobrir a charmosa e delicada cidade francesa de Strasbourg. Lá eu desembarquei num domingo de primavera e tive desde então todo meu ser rendido ao novo que me endereçou para o percurso da descoberta insistente, e que é aquele tipo de percurso dotado do dom de nos arremessar num redemoinho incontornável de acréscimos de todas as ordens. 


De volta à Bahia, joelhos dobrados na Igreja Senhor do Bonfim, onde minha amiga Nega me esperava com um caloroso abraço e as coloridas fitinhas me chamaram para uma foto. Rezei em agradecimento a tudo que vigorosamente vivi em terras europeias e veio a segunda parte do ritual de boas-vindas: cerveja geladinha e uma boa mariscada há alguns metros da Colina Sagrada. 


Comi, ri, escutei, partilhei, olhando para o mar mais azul que meus olhos poderiam alcançar e ouvindo as músicas daquele que foi, segundo os que na mesa estavam, a grande sensação do carnaval 2012. Refiro-me ao cantor Magary Lord, cujas canções são mesmo um convite ao remelexo, mas eu não cheguei a dançar. Guardei meus passos para uma roda de samba que em breve eu sei que vai me puxar para dentro do seu miolinho. 


Em seguida: BR 324 em direção à Feira de Santana, rumo à casa da minha família, onde na cozinha o espumante foi estourado com os tios, tias, primos e primas, um diversificado café foi servido e eu me reencontrei com os bolos de puba e de aipim, que minha mãe preparou especialmente para me receber.

30 de abril de 2012

Nenhuma impessoalidade


Entrego-me aos rituais de despedida e vou ao mercado do bairro onde aos sábados fazia compras. Neste um ano aqui, por duas vezes, quando eu estava no caixa para pagar o que eu havia adquirido, me dei conta de que eu havia deixado o cartão de crédito em casa. E nas duas vezes contei com a confiança dos funcionários. Eles registravam tudinho, enquanto eu vinha em casa, correndo, e apanhava a carteira. Voltando, eu pagava e agradecia alegremente pela gentileza prestada. Aí fiquei conhecida como a-madame-que-esquece-a-carteira. Virou até graça isso. Mas, hoje, não teve muita graça quando eu comuniquei ao segurança Joseph que eu vou voltar para o Brasil. Ele não acreditava no que eu dizia, apertava minha mão com saudosismo e eu lhe explicava que minha bolsa de estudos acabou. Ele então me perguntou como eu vou viver no Brasil; quis saber se eu já tenho emprego e eu lhe disse que ainda não. Ele apanhou seu terço no bolso e, com fé, me disse: "não tenha medo, Sarah, vai dar tudo certo e use sua capacidade intelectual". Eu escutei, movimentando a cabeça num prolongado sinal de SIM e sai da minha última compra no supermercado de sempre, bastante emocionada ao ver a relação que seus funcionários e eu construímos. Como sou grata ao elo nada impessoal que a França e eu desenvolvemos.

Banhada pela chuva.


O que eu colecionei? Quais coleções carregarei comigo? Na coleção de quem eu entrei? O que desta praça onde estou pela primeira vez vai restar em mim daqui a alguns anos? Classifico como sagrada a chuva que me banha antes da minha partida para o Brasil. Por isso, deixo-me por ela ser lavada. 


Avisto um homem que anda devagar. Suas roupas são da mesma cor da casa onde ele agora transita. Uma lágrima cai do meu rosto e eu sorrio para este choro que sai de mim como gratidão a tudo de grandioso e belo e forte e único que minha vinda para a França me deu, a tudo de grandioso e belo e forte e único que minha vinda para a França me deu (repito em voz alta esta deliciosa frase). 


Enquanto o homem que caminha tem roupas da cor da casa, eu estou vestida com a cor dos jardins. Olho mais distante tentando alcançar algo que meus olhos ainda não sabem e me dou conta de que estou deixando um país que vive a escolha do seu próximo presidente. Eu, eu vivo a saudade deste país. 


Ontem foi meu último domingo na doce Strasbourg. Andei sem destino por ruas desconhecidas, fotografei casas, vi crianças brincando e homens se divertindo em torno da mesa de pingue-pongue do parque; fui abordada por uma senhora que queria informação sobre o bairro que não é o meu de morada. Escutei trovões, andei mais - e mais um pouco e mais um pouco e mais.

26 de abril de 2012

Escuto para arrumar minhas malas



Sigo caminhando na apreciação viva deste belíssimo lugar onde minha vida se ancorou por um ano. Quantas lindezas agregadas ao meu corpo e à minha alma! Quantos novos olhares, quantos novos sentidos agora eu conheço. Sinto-me em contato permanente com o néctar do mundo. Há vastidões me povoando e me dando tanto, tanto mais do que eu tinha e sabia antes de me deslocar para a França, onde a felicidade se colou à minha pele e me disse que realizar sonhos é mesmo uma das mais valiosas dádivas da vida. E cá estive e estou, sendo, fazendo, cantando, dançando e agradecendo, agradecendo, agradecendo. Obrigada, Deus! Obrigada, Strasbourg! Dedico-me à arrumação das malas, sabendo-as muito mais abastecidas do que quando eu vim para cá. A elas todo meu amor e meu carinho. E como são tão especiais para mim estas minhas malas, escolhi como trilha sonora para prepará-las este concerto que me faz chorar e celebrar, com o coração acelerado, o dom de ser feliz. 

17 de abril de 2012

Já me vou, mas antes, invento âncoras

17 de abril de 2012: um ano que eu moro em Strasbourg, na França, e há poucas horas, indo da estação de tram Landsberg em direção ao número 28 da Rua de Benfeld no bairro Neudorf, onde está minha casa: um apartamentinho lindo caiado de amarelo por fora e laranjinha por dentro, peguei-me andando muito mais lentamente do que de costume. Dedicada estive à apreensão dos detalhes das construções, às crianças brincando no parquinho público, ao movimento da padaria e à beleza das árvores que enfeitam o percurso várias vezes feito por mim e que, em breve, sairá da minha rotina. Meu retorno para o Brasil aponta no calendário. Sinto-me, por isso, chamada a guardar cores, cheiros, sabores, tempos, verbos, fisionomias, texturas e curvas da cidade que, sem pressão alguma, me convocou ao apuro da observação. Transformarei em âncoras as capturas que fiz nesta terça-feira a caminho do meu endereço. Portanto, mesmo geograficamente distante da cidade das pontes com flor, eu continuarei à ela vinculada. Não há como eu me desvencilhar do ponto do planeta que me fez expandir o olhar sobre o mundo, me permitiu rever quem eu sou, me deu as dicas para eu aprender a relocalizar importantes referências e me mostrou que "fronteira" e "pertencimento" são duas palavrinhas muito mais cheias de significado do que eu imaginava saber, antes de cruzar o Oceano, porque durante 12 meses eu tinha mesmo que deitar a cabeça sobre um travesseiro internacional, após cada dia deliciosamente desvendado.

13 de abril de 2012

Horinhas com comida para a alma







Quando chegamos à casa da minha doce amiga Dominique na Segunda-feira de Pâscoa, ela nos recebeu com um sonoro "Bom dia", bem assim em português para deixar os ouvidos da minha família acarinhados e certos de que encontros são encantos da lida feitos para os corações se conectarem.

Se Dominique pronunciou seu mais lindo e perfeito "Bom dia", agarrou minha mãe em um dos seus braços e minha irmã Cláudia noutro, para que nelas se apoiassem e subissem os degraus que dão acesso à sua charmosa casa, meu vizinho, o agradável senhor Sanchez, passou toda a tarde que antecedeu o jantar que ele e sua adorável esposa nos ofereceram, colhendo informações sobre Brasil a ponto de um pouquinho antes de saborearmos o maravilhoso Chucrutes (comida típica de Strasbourg), preparado pela madame Myrian, ele falar: "para ir do norte ao sul das terras brasileiras é necessário percorrer 4.397 quilômetros".

Pronto: estava dado o comando para todo um diálogo sobre caminhões e estradas se desenrolar entre painho e o Monsieur Sanchez, que quer ir ao Brasil e rodar seis mil quilômetros no caminhão da Rodoasabranca. VIVA!

Magnífico notar que em algumas horinhas usadas a favor da felicidade, vivemos o suficiente para guardarmos em nossa memória um rico almoço, no qual alimentamos a esperança da esquerda vencer as eleições presidenciais na França, meu pai diluiu uma antiga dúvida de Martine sobre a coloração dos pimentões, minha mãe externou seu amor pelos vinhos e Cau se encontrou lindamente com o creme de sobremesa mais vivo que já vimos.

No dia seguinte, com mais algumas horinhas de vida abençoada, depositamos em nossas lembranças um jantar povoado dos mais variados assuntos e encerramos a noite com uma gostosa partilha das expressões populares. Nós pronunciamos: "quando Deus fecha uma porta, ele abre uma janela" e coube aos nossos vizinhos afirmarem: "Quand une porte se ferme, une autre s'ouvre".

Duas refeições com grande poder de nos alimentar para além do momento em que aconteceram, e nas duas o brinde foi harmoniosamente feito em nome da União dos Povos do Mundo. E que este dia chegue.


2 de abril de 2012

A vida e suas delícias


Para minha alegria, meus pais e minha irmã me farão uma visita. Será a primeira viagem internacional de painho e mainha. Dois brasileiros que sabem muito, muito bem o significado do suor derramado. Meu pai trabalha desde os 11 anos de idade, minha mãe desde os 18. Hoje, ele está com 63 anos, ela com 62. São literalmente um guerreiro e uma guerreira para a jornada diária do pão-de-cada-dia. Após muitos anos de construção árdua, chega a oportunidade de cruzarem o Oceano e conhecerem um pouquinho do Velho Mundo. Escrevo para os três um email com várias coisinhas sobre a chegada aqui e o que vamos fazer nos dias em que estarão comigo, e me dou conta: tenho uma vida do lado de cá para mostrar aos meus. Estou me sentindo tão, tão, tão abençoada.

29 de março de 2012

Feliz Aniversário, Salvador



O aniversário de Salvador chegou e eu ainda guardo na garganta todas as palavras não ditas sobre a greve da Polícia Militar deflagrada nas vésperas do carnaval, de modo que fico meio deslocada para saudá-la, hoje. É como se eu fosse aquela amiga que se lembra da festa de aniversário da amiga, mas não dá a mínima para a dor que a consome, quando atravessa um problema.

Eis que agora diante desta inquietude que me desassossega um pouco, concluo que, do ponto de vista textual, é mesmo muito mais fácil elencar palavras comemorativas do que desenvolver frases reflexivas e dotadas de um teor crítico como, por exemplo, necessita uma greve da polícia.

Para mim, as greves são sempre grandes laboratórios para se observar os lados, os não lados, as linhas divisórias, as tensões, as contradições e as complexidades de uma sociedade. E em se tratando da greve daqueles que, quando outras categorias fazem greve, eles são os que ali estão prontos para inibirem o grito, o nó cresce, e muito.

Logo, se posicionar, pensar, refletir sobre uma contestação deste porte requer tempo, concentração, esforço, e estes elementos eu não os tive para oferecer quando a densidade tomou conta da Bahia no mês de fevereiro passado. Sinto certa culpabilidade por isso, mas minha vida está temporariamente sendo tecida na terra do outro e esta fixação me deixa diante de um universo enorme a ser descoberto, de modo que me sobra pouco espaço interno para aquilo que está para além do agora vivíssimo e pulsante que se instala continuadamente em minha frente.

Eu não nasci em Salvador; nela morei/moro e ralei muito para estruturar minha existência lá. Feirense, sou, portanto, menina vinda do interior e que inicialmente se relacionou com a capital como o cantinho onde passava as férias, pois na minha infância minha mãe trabalhava na Farmácia Silva e isso lhe garantia o perfil “mulher comerciária”. Logo, toda família podia usufruir da Colônia de Férias do SESC, na praia de Piatã. Eram deliciosos nossos abençoados dez dias naquele repousante lugar. 


Conclusão: comecei a gostar de Salvador desde cedo e numa situação muito cômoda. Afinal, só acessava sua parte boa. Éramos as ondas do mar e eu, com meu pai me ajudando a pulá-las, de modo que somente muito mais tarde (eu me graduei na amada Universidade Federal de Sergipe, portanto, só comecei a ser aluna da UFBA no mestrado) eu conheci as mazelas da cidade, e isso exatamente quando aos 21 anos eu fui tentar a vida como jornalista em suas redações, o que foi uma luta bastante dolorosa.

Quando a greve se instalou, surgiu em mim um misto de sentimentos e vários textos foram escritos mentalmente, mas eles se perderam porque além da falta de tempo para a redação do texto, outra coisa me fazia frear os dedos ao escrever. É que em certa medida eu me sentia desajeitada para falar de Salvador numa condição de moradora da França; não sei, não sei se eu sentiria isso se eu estivesse noutro país. Mas veio um desconforto por dentro que eu não sei muito bem explicar. Isso porque parece que o fato de estar na Europa deixa a pessoa com menos legitimidade para abordar os temas problemáticos do país.

Desconfio que este receio de escrever tenha surgido porque, certa vez, preparei um textinho para dizer o quanto eu estava amando sentir a maneira como a música clássica ambienta a cidade de Strasbourg, onde eu estou morando. Em nenhum momento disse que isso era mais legal do que as batucadas que se espalham pela Bahia, mas rapidamente uma amiga saiu em defesa da Orquestra Sinfônica da UFBA, como se minha admiração pelo universo do outro já demarcasse uma distância das minhas referências, o que não é verdade. Para mim, este é um ângulo muito pequeno de observância em relação ao que a descoberta de outro repertório cultural pode promover a alguém.

Minha intenção era apenas dizer como é prazeroso conviver num lugar em que pianos são tão presentes na vida cotidiana e de modo algum eu fiz isso hierarquizando instrumentos musicais, mas, sim, valorizando também o modo de musicalizar que o outro detém. Retomo este mote porque, para mim, ele traduz um pouco o comportamento de Salvador, visto que se trata de uma cidade, em minha opinião, muito auto-referente. Digo isto porque é como se eu a escutasse dizer: “sou a cidade do Salvador, a cidade dos encantos e axés” – e é mesmo – “e isso basta para eu ser amada, querida, desejada, procurada pelas pessoas, então eu não preciso de grandes projetos, iniciativas, pois sou bonita e pronto”. Bem ao modo narcisista: “sou bonito/a, logo eu me garanto”.

Salvador, você é mesmo linda, mágica, repleta de sabores mil, mas nenhuma cidade se sustenta exclusivamente sobre estas referências. Olho para você e me pergunto quais projetos ousados e inteligentes existem e que são capazes de garantir a seus limites geográficos aspectos que ultrapassem a natureza, o mágico, o abstrato, que são, sem dúvida, itens valiosíssimos para uma sociedade, mas que não dão conta de sozinhos ancorarem por mais de quatrocentos anos uma cidade com mais de 2,5 milhões de habitantes.

Mas vamos lá, eu quero lhe parabenizar, sim, lhe parabenizar pela sua efervescência. Mas quero também lhe deixar o seguinte recado: não se encerre aí, bonita, e que nós saibamos em e com você construir uma cidadania à altura da sua beleza e da sua magia, para que a colcha de retalhos entre o transcendente e o prático fique satisfatoriamente tecida, entrelaçada, harmonizada e a gente cresça como gente, como lugar, como vida experimentada e gostosa de ser construída.

E como estou aqui a falar dos lados de uma cidade linda, não sairei destes escritos sem redigir algumas linhas sobre a greve dos policiais e que eu meti aqui no meio.

Preciso confessar que das muitas abordagens que eu poderia fazer sobre o que esta greve me causou – e estas sensações foram bem particulares, em virtude do acompanhamento a distância – muitas ficariam sem frescor passados 58 dias do seu término, de modo que vou me ater a um olhar sobre as estratégias dos grevistas, embora saiba que há tanto mais a ser falado no que se refere à reação da sociedade, à cobertura midiática mal feita, à construção de significados equivocados sobre a presença das forças armadas nas ruas, à inabilidade do governo para dialogar com o comando de greve, à crise da representatividade, à construção questionável de líderes, à divisão de opiniões entre os que apoiaram o cancelamento de atividades como os shows, por exemplo, e os que consideraram isso um insumo para a construção de autoridade dos policiais que se viram extremamente “úteis” à proteção etc.

Mas, no âmbito das estratégias ao qual, como eu disse, vou me ater, a presença das famílias na Assembleia Legislativa durante as negociações me leva a indagar quais são os aliados numa greve. No caso dos policiais, a família? No caso dos professores, os estudantes? Numa contestação, conta-se com quem? 

Salvador, que em suas contestações para a construção de uma vida digna para todos e todas você conte com todos nós.

8 de março de 2012

Minha oração de hoje


Amadas mulheres e amados homens viventes deste mundo, onde nós, mulheres, pelas razões mais questionáveis que já sabemos, fomos construídas como a parte que precisou e precisa insistentemente lutar para se compor como Detentora de Direitos, desejo um Dia de FÉRTEIS sentimentos e VERDADEIRAS mudanças de atitude. Que saibamos, amadas e amados, escoar nossas diferenças, não, para a vala das hierarquias vazias, mas, sim, para o canal das edificações grandiosas, das lindezas vastas e das ações plenas de força.

Sarah, na terra onde nasceu Simone de Beauvoir

6 de fevereiro de 2012

Indo, indo, indo

Porque a cada passo eu aprendo mais, eu não paro de caminhar. A próxima parada será a cidade de Londres, onde creio que meus sentimentos vão se conectar com cenas muito globais. No que isso vai resultar? 

24 de janeiro de 2012

O não-saber e o saber

Pouco mais de dez meses de deliciosa morada em terras francesas, onde o pão, o vinho e o queijo desacordam o paladar e esbanjam sabores. Com um mundaréu de coisas para apanhar e pôr na bagagem, claro que esta quantidade de tempo ainda não foi suficiente para eu memorizar nem metade dos cruzamentos entre as ruas da amável cidade de Strasbourg, onde fica nosso ninho. Não sei, por exemplo, o nome da rua onde a rua da altíssima catedral desemboca; muito menos quantas pontes há aqui e como todas elas se chamam, mas sei bem direitinho onde se localiza o alho no mercado onde somos fregueses. Vou lá e os apanho, sem parcimônia. E, agora, ao longo desta madrugada em que eu me rendo às palavras, vejo meus passos por entre as seções daquele estabelecimento comercial que está a menos de um quilômetro da nossa casa e, tendo já desvendado várias das suas prateleiras, constato: é mesmo muito bom construir intimidade com outro país. Alegro-me, e muito, por "eu ter um bairro dentro da cultura do outro". Eta ganho bom da vida, meu Deus!