26 de outubro de 2012

Paladar

O gosto de céu com nítidas estrelas e lua pungente ainda povoa o meu hálito. Hoje, não quero nem beber e nem comer nada. Que permaneça em mim todo o sentir que a noite genuinamente iluminada me deu.

23 de outubro de 2012

Bonita forma de possuir algo


Dona Myrian, proprietária do apartamento onde morei em Strasbourg, me escreve contando: "alugamos TEU apartamento para uma estudante grega". Eu, que não disponho de casa própria, estou de passagem improvisada na residência da minha família e tenho minha geladeira, meus livros, minha cama etc. encaixotados dentro de um galpão, recebo este "teu apartamento" com uma alegria tão profunda... Este é o tipo de posse mais bonito que se pode acessar: algo é meu porque nele eu vivi e nele me inscrevi, e não porque eu o comprei. E, antes de decidirem novamente pelo aluguel do imóvel, Dona Myrian e seu marido me consultaram para saber se eu não voltaria a morar em Strasbourg, pois, se sim, eles guardariam o "meu apartamento" para mim. Eu me alegro muito em ver como naquela cidade tudo transcorreu como o desenrolar tranquilo de um novelo de lã.

7 de outubro de 2012

Lembrete

Gente querida, 

Daqui a algumas horas em todo o território brasileiro as seções eleitorais serão abertas aos votantes e é indispensável termos em mente que se, hoje, um homem ou uma mulher pode apanhar a chave de uma escola pública para receber os eleitores é porque há alguns poucos anos muitos outros homens e muitas outras mulheres deram a vida contra a ditadura. O "simples" gesto de mover a fechadura de um espaço, liberando-o aos eleitores é uma realidade conquistada a duras penas e eu torço enormemente para que as aberturas, que estão nos levando à maturidade democrática, se aprofundem. Desejo que nosso processo eleitoral não seja modelo porque dispõe de urna eletrônica e tecnicamente é exemplo para outros países, mas que seja referência em virtude da realização de uma virada histórica, que conta com a escolha de representantes realmente comprometidos com a justiça social. E lembremos: participação política não se restringe ao voto, ela é uma experiência cotidiana.


6 de outubro de 2012

Antecipação do resultado

Dois dos tradicionais colégios de Feira de Santana são a prova de que na difícil luta do idealismo contra o capital este, infelizmente, quase sempre sai vencedor. O Nobre e o Anísio Teixeira começaram sua história, tendo no comando pessoas comprometidas com a produção saudável e libertária do conhecimento. Luciano Ribeiro, no primeiro caso, e Ana Angélia e professor Jerônimo, no segundo. Atualmente, as duas escolas são administradas por verdadeiros comerciantes da educação e Luciano, Ana Angélica e Jerônimo saíram de cena.

Considero emblemática esta cessão do horizonte essencial do saber às cifras que correm nas mãos dos atuais diretores dos citados estabelecimentos educacionais, pois revela como a cidade, que emergiu de uma feira, tem mesmo forte vocação para o comércio. Estudei no Anísio e tive a sorte de ter sido aluna de filosofia do professor Jerônimo, cujas aulas não esqueço. Contato menor eu tive com Ana Angélica e jamais interagi com Luciano Ribeiro.

Deste o pouco que eu sei foi construído a partir de uma escuta nada estruturada das falas da minha família sobre sua história de oposição à ditadura, e que é também a de Chico Pinto, e, se alguém é contra o horror do autoritarismo e a castradora repressão, eu gosto imediatamente. Mas Luciano, que na barganha da defesa dos valores da educação, perdeu para o magnata do colégio Nobre, nas atuais eleições municipais se rendeu ao lado que lhe perseguiu, tornando-se candidato a vice-prefeito na coligação que nunca virou a página do coronelismo.

Além da desesperança que representa a associação de Luciano a Zé Ronado, a disputa para o executivo e o legislativo municipal traz mais uma perda e esta para ser compreendida requer outra retrospectiva.

Cresci na cidade de Feira de Santana de onde saí aos 17 anos. Sem praticamente nada entender acerca da prática política, no começo da adolescência eu nutria uma grande admiração pelo prefeito Colbert Martins da Silva. Ele era do PMDB, usava cadeira de rodas, tinha ideias inovadoras e representava uma força popular fascinante. Lembro de Feira ter sido notícia nacional num tempo em que isso ainda era visto como uma grande coisa, pois os projetos de Colbert o colocavam numa condição de um homem público arrojado e com ideias de cunho estruturante para a cidade, ou melhor, para o Estado, e isso foi motivo de reportagem de grande alcance.

Infelizmente, Colbert, ao contrário do sábio Lula, não fez escola, ou seja, não deixou discípulos que continuassem sua atuação comprometida com o coletivo. É bem verdade que um dos seus filhos ingressou na carreira política e veio a ser deputado federal e também candidato a prefeito em Feira, mas não se elegeu. Por carregar o gene de um humanista e ter atuado de forma honesta no parlamento, transitou positivamente ao lado de referências como o intelectual Ildes Ferreira, o ex-padre Albertino Carneiro, minha avó Linézia Carneiro, o pensador Elói Barreto, os ativistas Nedson e Chica, do MOC, e os já citados Luciano Ribeiro e professor Jerônimo na galeria dos que, em Feira de Santana, colocam a justiça como um valor orientador e sabem que pobreza e exclusão não são dados naturais, mas frutos de uma desigualdade social historicamente construída, que, na Bahia, teve a forte contribuição do Carlismo.

Nestas eleições municipais, assim como Luciano Ribeiro, Colbert Filho, ou melhor, Colberzinho, como é conhecido, se aliou a Zé Ronaldo, ex-prefeito da cidade e integrante do partido Democratas, antigo PFL. O educador e o filho do prefeito mais respeitado da história de Feira de Santana tornaram-se cúmplices de um homem, cujo talento para a ditadura se equipara ao de Saddam Hussein e este encontro sinaliza a ruptura de Colberzinho com a forte simbologia do seu pai e a desistência de Luciano de emprestar seu nome à mesma fragrância que exala do respeitado nome José Jerônimo de Moraes, professor emérito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), e que há muito tempo me ensinou a ver filosoficamente Deus e o amor.

Não sei, hoje, claro (ops, não é tão claro assim, pois em terra onde voto é mercadoria, eleições podem ser compradas), o resultado da disputa eleitoral que vai acontecer amanhã para prefeito e vereador. Mas, independente do veredito, tenho certeza que a maior derrota já aconteceu. Os perdedores do pleito de 2012 na cidade de Feira de Santana são a coerência, a memória de Colbert Martins da Silva e o time dos dignos, na medida em que Colberzinho e Luciano cometeram a estupidez de aderirem ao elitismo, que é sinônimo de nepotismo e maltrato às classes populares.

Tétrica cidade

O município de Feira de Santana é desprovido de espaços e eventos aprazíveis, sejam eles ofertados pela geografia, sejam eles providenciados pelo poder público ou por um grupo. É verdade que há cidades, onde a natureza se fez bela e/ou a efervescência artística emergiu, de modo que contam "naturalmente" com fontes que servem como um poderoso contraponto aos desmandos todos que acontecem em sua cercania; um rio limpo e vigoroso, por exemplo, representa um canal de respiro a uma realidade penosa. A transcendência pode ser também acessada num espaço cultural que disponibiliza uma vasta e criativa programação.

Feira, a meu ver, não foi agraciada nem com estas e nem com outra modalidade qualquer que seja de zona de escape, afinal, não dispõe de uma montanha energizante, um parque público agradável para caminhar ou algum endereço parecido. A cidade não é nem um pouco bonita e sua feiura advém do fato de sua estrutura estar calcada, sobretudo, no comércio, de modo que é excessivamente povoada pelos seus signos, leia-se: placas luminosas estupidamente grandes, infinidade de grades de proteção contra roubo, poucas árvores (quero deixar dito que vejo beleza, poder e sapiência em muitas cidades do interior, mas Feira não está entre elas). E este lugar, que já é tradicionalmente desprovido de beleza natural e urbana, ficou ainda pior com as eleições municipais.

A cidade de Feira de Santana alcançou o impossível: conseguiu se enfeiar ainda mais durante o período eleitoral. O ego do ex-prefeito e sua sede de poder alcançaram a sordidez e produziram uma baixeza temerosa, por outro lado, as promessas do atual beiraram o ridículo, pois são irrealizáveis. Ele reproduz pateticamente a oferta de promessas sedutoras e sem nenhuma, absolutamente nenhuma chance de virarem realidade. MUITO, MUITO NOJO DAS DUAS CONDUTAS!

A princesinha do Agreste ficou tétrica ao vivenciar uma disputa danificada. Desenrolou-se um processo eleitoral muito rasteiro, com armações audiovisuais inaceitáveis. O ex-prefeito contratou alguém para imitar a voz do candidato do PT e simular negociações escusas. Não satisfeito em mostrar uma armação extremamente tosca no rádio e na televisão, reproduziu incontáveis CDs com a tal mentirosa gravação e, numa dada noite, jogou de três a quatro unidades nas casas das pessoas. Algo horrível! Deprimente! Que arremessa a ética no lixo com tanta veemência, que arranha nossa fé na política e rouba muito do nosso fôlego.

Estas desrespeitosas estratégias são tão ultrajantes, que o dantesco horário eleitoral com candidatos, que optam por performances altamente jocosas, se tornou café bem, bem pequeno frente à baixeza do ex-prefeito e do prefeito atual.

3 de outubro de 2012

Novidade

Estou subtraída da vida que corre lá fora e do lado de cá um mesmo sempre movimento me conduz à feitura inadiável de uma tese de doutorado.

A este desafio, que se prontifica todos os dias diante de mim, eu entrego minha totalidade com a ressalva de que a doação integral da minha energia não me custe a rachadura do umbigo e nem a inflamação da garganta, pois, embora seja muito gratificante ficar mais sabida, eu preciso continuar com minha saúde intacta, claro.

Ok, está tudo bem comigo, mas ainda assim não abro mão de fazer perguntas desorientadoras sobre as tramas e os caminhos. Afinal, imitando o homem que emergiu do barro, vim eu da elegante curva que questiona o estabelecido. Não tem pra onde correr: sou oriunda da matéria interrogação.

E se, desde que me transformei numa serva da leitura e da escrita científicas continuo fiel às perguntas existenciais, por outro lado, no quesito sono, me perdi completamente e, um dia, durmo demais, noutro, de menos.

As horas disponíveis para o trabalho se movem agora de um jeito esquisito, mas infinitamente menos extraordinário do que a feitura do diário de uma viagem de não ida à Grécia, para onde partiu meu namorado.

Em suas páginas tenho desaguado o não-vivido e isso, contraditoriamente, tem sido o viver mais novo ao qual estou tendo direito. Hoje, por exemplo, vi o mar mediterrâneo exatamente porque meu amado me mostrou.

Que bom que a arte de amar envolve presentes que não são vendidos em loja e estão por aí esperando os presenteadores e os receptores, e que bom que pela manhã fui eu a receptora e meu amor o presenteador de uma magnífica paisagem que dorme e acorda na Ilha de Santorini.

Minha quarta-feira ficou tão mais viva com este regalo...

Continuidade

Na mão direita carrego todos os sonhos que me habitam e na esquerda tudo que eu preciso fazer para que aquilo que eu desejo se transforme em realidade. Gosto de carregar profundidades.