24 de junho de 2014

A Resistência Francesa e a oposição ao nazismo: quando os alemães invadiram a França em 1940, embora o governo francês tenha optado por colaborar com o III Reich, um movimento clandestino de reação foi desencadeado

Henri Philippe Pétain, militar que ganhou notoriedade na Primeira Guerra Mundial, pois se atribui à sua atuação a vitória da França sobre a Alemanha na Batalha de Verdun, foi convidado a integrar o governo francês em maio de 1940. Neste período, a Segunda Guerra Mundial já havia sido deflagrada e fazia poucos dias que as forças alemãs comandadas por Hitler tinham invadido a república francesa.

Não foi preciso muito tempo para que o marechal Pétain, uma vez fazendo parte da estrutura de governo, saísse da condição de Chefe de Combate para a de Chefe do Conselho, e desta para a de Primeiro Ministro, o que aconteceu na noite do dia 16 de junho, quando o então chefe de Estado, Paul Reynaud, por discordar da condução passiva que o poder francês vinha assumindo frente à invasão dos alemães, tornou público o seu pedido de desligamento.  

Substituição feita, no primeiro dia após a sua nomeação, dia 17, Pétain anunciou um armistício cuja assinatura aconteceria já no dia 22 seguinte, no mesmo vagão de trem, na cidade francesa de Compiègne, onde o general francês Ferdinand Foch havia definido na Primeira Guerra Mundial os moldes da rendição alemã. A escolha do mesmo lugar para a celebração do cessar-fogo foi uma exigência de Hitler, que fez questão de se sentar na mesma cadeira que antes havia sido ocupada por Foch.

Através do Segundo Armistício de Compiègne, estavam então confirmadas todas as condições para que a Terceira República, que vigorava em território francês na época, fosse dividida em Zone ocupée (Zona Ocupada), ao norte, e Zone libre (Zona Livre), ao sul, através daquela que ficou conhecida como Ligne de démarcation (Linha de Demarcação) e impôs uma severa fronteira interna no país. A separação ainda estabeleceu uma área administrativa que tomou como base a região Alsace-Lorraine.

A Zone ocupée ficou sob a orientação dos códigos do III Reich, e a Zone libre, conhecida como La France de Vichy – Vichy é uma cidade do sudeste francês onde, após o Armistício, passou a funcionar a sede do governo –, teve uma gestão administrativa que somente na fachada era francesa, pois não deixou de ser interferida pelos alemães, de modo que hoje se fala da França de Vichy como tendo sido um regime, também, subjugado aos rigores da Ocupação.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Mapa da França após a Ocupação

O chamado de De Gaulle
A cessão ao domínio alemão foi avaliada como impertinente e absurda por parte do general De Gaulle, antigo Secretário-Geral do Estado no governo de Reynauld, e que ao saber que um armistício tinha sido anunciado foi imediatamente a Londres solicitar aos britânicos apoio para que a França permanecesse lutando. O general entendia que “o enfrentamento aos alemães tinha que ser feito, que a guerra estava só começando e que a França não estava sozinha”.

Foi então que munido deste ideal, De Gaulle no dia 18 de junho de 1940 se dirigiu aos estúdios da Rádio BBC e, por meio de uma emissão radiofônica, convocou os franceses a fugirem da servidão, continuarem a luta e a não se renderem às forças alemãs, “pois a pátria estava em perigo e era preciso salvá-la”.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Chamado de Gaulle do dia 18 de junho

Composição de forças
Novos apelos seguiram ao do dia 18, de modo que a partir de Londres, De Gaulle, que esteve muito próximo de Churchill, suscitou no povo francês a necessidade de fazer frente ao nazismo e estruturar um movimento, que além de reagir à ocupação alemã, precisava se opor ao governo vigente, pois, em sua perspectiva, Pétain ao ter optado pelo armistício estava a condenar o espírito republicano.

E foi a esse combate político-militar, dotado de teor patriótico e contornos revolucionários, constituído por homens e mulheres contrários à ação de Pétain e à consequente conversão da França num país colaboracionista, que foi dado o nome de “Resistência Francesa”. O movimento ficou conhecido como “A Resistência” e aconteceu entre 1940 e 1944.

Sua elaboração, no entanto, não foi imediata. As adesões aos seus propósitos aconteceram de forma isolada e, quando seus ideais se multiplicaram em território francês, houve um considerável período de discordância entre os diferentes segmentos que se sentiram mobilizados pelas convocações feitas por De Gaulle, de modo que o consenso só emergiu após uma construção lenta e que exigiu, entre outras ações, a revisão do papel dos partidos e dos sindicatos, uma vez que estes foram dissolvidos quando a França capitulou.

Acervo Musée de la Résistance Nationale 
General Charles De Gaulle

“No que diz respeito aos partidos, as fragmentações mais sérias e que mais afetaram o andamento da Resistência foram apresentadas no âmbito do Partido Comunista Francês (PCF). Isso porque em 23 de agosto de 1939 havia sido assinado o Pacto de Não-Agressão entre a Alemanha e a União Soviética, através do qual as duas nações prometeram neutralidade mútua, caso uma delas viesse a ser invadida por algum outro país. Sendo assim, diante da invasão alemã à França, o PCF apresentou reações muito ambíguas, já que tinha um alinhamento no campo político com a URSS”, explica Laurent Védy, neto do resistente Gilbert Médéric Védy e que se tornou estudioso da Resistência.

Além disso, acrescenta ele, “o PCF estava desde setembro de 1939 com suas atividades suspensas por ordem do então chefe do governo francês, Édouard Daladier, que recorrendo a um decreto de lei assinado no dia 26 de setembro de 1939, interditou o partido tomando como motivação para esta atitude a invasão da Polônia pela União Soviética, ataque este que levou a Inglaterra e a França a declararem guerra contra a Alemanha, e assim iniciarem a Segunda Guerra Mundial”.  

A decisão de Pétain de ceder facilmente à presença da Alemanha em território francês foi levada, no dia 10 de julho de 1940, à apreciação do parlamento, onde foram registrados 569 votos a favor e 80 contra. Dessa maneira, Pétain, que a esta altura já estava em Bordéus, no sudoeste da França, para onde o governo francês fugiu desde o dia 14 de junho quando Paris foi ocupada, teve legitimada a sua iniciativa de permitir que a França contribuísse com o nazismo. 

Não se pode falar em uma Resistência única e homogênea: as reações contrárias ao nazismo na França eram numerosas e pulverizadas

A presença de De Gaulle, em Londres, estruturando à distância a teia de pensamentos que alimentava o senso de oposição ao nazismo e que viria a ser posta em prática na França, sugeriu um modo de classificação que acabou por nomear de Résistance intérieure (Resistência interior), aquela que se desenrolava dentro das fronteiras da França, e de France libre (França Livre), a que se constituiu fora dos seus limites geográficos e que, em Londres, desencadeou a FFL – Forces françaises libres (Forças Francesas Livres).

A France libre, no entanto, não se restringia somente à capital britânica, pois ganhou terreno, ainda que tardiamente, na África do Norte, onde havia colônias francesas. Estas, num primeiro momento, responderam sem ressalvas às orientações de Pétain, mas depois, mobilizadas pelo general Henri Giraud, desenvolveram um posicionamento antinazista e, em junho de 1943, na cidade de Argel, capital da Argélia, o CFLN – Comité français de libératon nationale (Comitê Francês de Liberação Nacional) foi fundado.

De um simples reagrupamento informal de voluntários – contava em 1941 com um efetivo de 450 pessoas –, a France libre passou a um organismo com vocação governamental disposto a rejeitar as leis advindas da França de Vichy. Pouco a pouco a France libre foi sendo reconhecida pela opinião pública internacional e, em 1943, um conjunto de 30 países a absorvia diplomaticamente. Suas articulações com a Résistance intérieure eram uma prioridade e ficou a cargo do BCRAM – Bureau central de renseignements et d’action militaire (Escritório Central de Informação de Ação Militar).

Em território francês, diferentes iniciativas contrárias ao nazismo emergiram. Na parte norte, os grupos mais importantes foram Combat, Libération e Franc-Tireur, e na parte sul, Ceux de la Résistance (CDLR), Ceux de la Libération (CDLL) e Organization civile et militaire (OCM). Com pontos de convergência e de divergência em relação a muitos aspectos da luta, sendo um destes a interpretação que cada grupo tinha da noção de “nacionalismo”, praticamente todos os agrupamentos, num primeiro instante, apostaram na propaganda como a principal arma política.

Desde os primeiros impulsos voltados à Resistência, jornais e panfletos circulavam na França disseminando seus ideais. Pantagruel foi um dos primeiros e já em outubro de 1940 era produzido, em Paris. Depois dele, centenas de outros títulos foram impressos no país até que, em novembro de 1943, uma espécie de federação nacional da imprensa clandestina foi criada para coordenar os esforços no ramo da comunicação. 

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Fotos: Luciano Fogaça
Máquina de datilografia usada pela imprensa clandestina

Mimeógrafo usado pela imprensa clandestina

Jornal Pantagruel: um dos primeiros jornais veiculados pela Resistência

Estudantes, religiosos, políticos de distintas tendências, professores, empresários e intelectuais, que de alguma forma fizeram parte da Resistência, tinham visões distintas em relação ao qual deveria ser o alcance do combate, os objetivos que podiam ser agregados para além dos mais óbvios, e alguns socialistas chegaram a desconfiar dos reais interesses de De Gaulle, forçando-o inclusive a reafirmar a sua concordância com a aspiração patriótica do movimento, o que De Gaulle cumpriu, mas deixando claro que, em sua opinião, a Resistência tinha a obrigação de também agregar objetivos voltados a uma profunda renovação política e social.

Unificação
Unificar as múltiplas visões que circulavam no âmbito da Resistência, marcada desde o princípio pela ambivalência de propósitos, foi se tornando gradativamente uma urgência, visto que era necessário fortalecer a ação política e definir quais seriam as estratégias que viriam a resultar na liberação da França, importante projeto da Resistência, ainda que não tão claro nos seus primeiros anos.  

O alinhamento das distintas frentes da Resistência, ou seja, nacionalista, cristã, socialista e comunista só viria a se tornar viável no início de 1942 a partir dos pontos que, entre todos, eram uma concordância, a saber: a oposição irrestrita ao nazismo e a luta pela retomada da soberania francesa.

Diante disso, coube ao resistente Jean Moulin, que tinha sido prefeito de Aveyron e, quando da instalação da França Ocupada havia se recusado a assinar documentos que a fortaleceriam, a função de mentor do processo de unificação, cujo ápice foi a criação, em janeiro de 1943, do MUR – Mouvements unis de la résistance (Movimentos Unidos da Resistência), o qual integrava num só núcleo os grupos da zona sul e o Comitê de Coordenação do Norte.

Jean Moulin foi uma das figuras centrais da Resistência e veio a ser capturado pela Gestapo em maio de 1943, morrendo em 8 de julho do mesmo ano, depois de ter sido interrogado e torturado.

Acervo Musée Jean Moulin
Jean Moulin

Os partisans
Para alcançar os objetivos traçados, a Resistência, além da unidade de ideias, precisou de dinheiro e de armas, e estes recursos foram conseguidos paulatinamente, por meio da doação dos próprios resistentes, que eram chamados de partisans (partidários), adotavam individualmente pseudônimos, costumavam usar barba, bigode e óculos falsos como disfarces, fizeram da música Chant des partisans, de Anna Marly, um hino, e reconheceram a Cruz de Lorena como símbolo.

http://youtu.be/-FgVkAKd-SY

Entre os partisans, havia comerciantes, professores funcionários públicos, universitários e empresários, como é o caso de Maxime Védy, cujo percurso revolucionário será narrado noutra matéria, e que doou parte significativa do seu patrimônio à causa.  Segundo o historiador Jean-François Muracciole, a Resistência detinha, em 1940, um suporte financeiro de 14 mil francos (o que equivale hoje a aproximadamente 30 mil reais).

Apesar dos esforços empregados pelos resistentes para conseguirem fundos e se armarem, Muracciole diz que o movimento sofria de uma contínua falta de dinheiro e a quantidade de armas que detinha era insuficiente para o número de membros que reunia. Segundo ele, para a liberação de Paris, havia 20 mil homens mobilizados, mas somente 200 armados.

Resistente brasileiro

Embora o Brasil tenha participado da Segunda Guerra, através da FEB (Força Expedicionária Brasileira), houve um brasileiro que desempenhou importante papel na Resistência: trata-se de Apolônio de Carvalho, que comandou uma guerrilha em de Lyon, e em virtude deste engajamento, Apolônio foi condecorado com a Medalha Legião de Honra.

As estratégias empregadas pelos resistentes envolveram força, coragem e contaram com a solidariedade de muitas pessoas

Para minar o poder alemão, os resistentes recorreram à imprensa clandestina, sabotagens, espionagens, redes de informação, paraquedismo, greves de setores estratégicos, lançamento de bombas, cortes de cabos telefônicos e à formação de maquis, grupos camuflados que se posicionavam em pontos estratégicos para desestabilizar as ações da Wehrmacht, conjunto das forças armadas da Alemanha.

“Inicialmente o movimento foi muito pulverizado, com muitas iniciativas isoladas. A Resistência no começo era somente escrever palavras anti-Pétain nos muros e espalhar frases como ‘Viva De Gaulle’. Meu pai, por exemplo, em 1941, recolhia armas e explosivos, mas eles não sabiam o que iam fazer com aquilo”, explica Georges Duffau-Epstein, filho de Joseph Epstein, fuzilado em abril de 1944, no Mont-Valérien, onde houve aproximadamente 1000 fuzilamentos e onde, hoje, existe um monumento consagrado à memória nacional.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Fotos: Luciano Fogaça
Réplica de artifício para detonar trilho de trem

Equipamento de rádio usado para criar uma rede de comunicação entre os resistentes 

Joseph Epstein foi um intelectual polonês, combatente antifascista na Guerra Civil Espanhola e que liderou o grupo FTP-MOI – Franc-tireurs et partisans - Main d’oeuvre immigrée (Franco-atiradores e Partidários - Mão de Obra Imigrante), segmento da Resistência que reuniu estrangeiros.

Esse grupo ficou particularmente conhecido pela virulência das suas ações, entre as quais inúmeras explosões e atentados contra tropas alemãs em plena luz do dia, e também por ter tido 23 dos seus integrantes condenados à morte sem recurso de apelação, dos quais 22 foram mortos no Mont-Valérien, por meio de um ato comum de fuzilamento, e a única mulher entre eles decapitada em maio de 1944.

As fotos dos 23 resistentes foram usadas pela propaganda alemã num cartaz que passou a ser chamado "Affiche Rouge" e foi disseminado com o intuito de desacreditar as ações da Resistência, episódio que junto com algumas outras lembranças povoa a memória do polonês André Schmer, ex-integrante do FTP-MOI, que com convicção narra o que se propôs a fazer em prol da sociedade francesa:

“Sempre tive em mente que a França é o país da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade e não podia ser dominado por uma força autoritária. Eu ainda era muito jovem e sabia disso. Então, comecei a distribuir panfletos antinazistas nas ruas. Lembro-me de ter subido no alto de um prédio e improvisado um dispositivo que os espalhava por todos os lados porque era necessário que as ideias libertárias chegassem a todos”, diz o ex-combatente e militante do Partido Comunista, hoje com 86 anos.

Foto de arquivo
Affiche rouge (Cartaz vermelho)

Algumas ações e a importância fundamental de afetar as ferrovias
Entre os grandes feitos da Resistência, estão a greve dos mineradores do Nord-Pas-de-Calais, região rica em carbono, bastante cobiçada, portanto, pelos alemães, e os ataques que aconteceram na parte do sul do país, ambos em 1941. Neste mesmo período uma manifestação formada apenas por mulheres foi organizada na periferia de Paris para exigir a liberação de prisioneiros de guerra.

Desde 1940 um conjunto de ações já vinha demonstrando o descontentamento de parte da população francesa com a invasão alemã. Em julho deste ano, estudantes dos liceus parisienses paralisaram as aulas para mostrar o desacordo em relação à política educacional que passou a ser adotada pelo governo de Vichy e pela Ocupação. No dia 11 de novembro, uma grande mobilização jovem aconteceu na Place de l’Étoile e foi alvo de uma severa repressão.

Contudo, a unificação das forças armadas da Resistência só veio a acontecer em 1942. Da junção de vários grupos armados resultou a Força Armada Secreta da MUR, que com o apoio dos organismos britânicos, Special Operations Executive (SOE) e Intelligence Service (IS), e mais tarde com a contribuição das forças americanas, conseguiu dar importantes passos, como a desconexão dos trilhos entre algumas cidades, atrapalhando assim os planos dos alemães.

Interromper rotas, confundir informações e gerar um caos no transporte público foram ações empreendidas pelos cheminots (ferroviários em francês), peça-chave no progresso da Resistência. A ligação férrea, numa extensão de aproximadamente 200 quilômetros, que conectava cidades como Brive e Toulouse, no sudeste francês, por exemplo, foi uma das que foi completamente cortada, e entre junho e agosto de 1944 este trajeto não pôde ser cumprido. Atos como este afetavam os mais diferentes propósitos alemães, entre os quais o uso de trens para a deportação de pessoas.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Panfleto indicando sabotagens feitas pelos ferroviários

Solidariedade
A Resistência contou com a atitude corajosa de muitos funcionários do estado francês, como os controladores da “Linha de Demarcação”, que deixavam as pessoas, proibidas de irem de uma parte a outra do país, transitarem entre a zona norte e a zona sul. Houve também o apoio cedido por muitas famílias que abrigavam resistentes em suas casas, ou cediam espaço para a realização de reuniões e instalação de instrumentos de decodificação de informações, como equipamentos radiofônicos.

Por parte da sociedade civil muitas táticas foram usadas para comunicar a discordância com as ordens alemãs, como, por exemplo, ondas de assobios coletivos atrapalhando a veiculação dos cinejornais pró-alemães, destruição sistemática dos cartazes assinados pela Ocupação ou pelo Estado francês e uma presença em massa nos funerais dos resistentes ou aviadores aliados.

Em novembro de 1942 a Resistência envolvia 30 mil pessoas, e em 1944 chegou a reunir 450 mil combatentes; mas considerando os leitores da imprensa clandestina, alcança-se o número de 2 milhões de simpatizantes à causa, conforme afirmam alguns estudiosos. 

Liberação: um objetivo comum entre os resistentes

Em 1943, tendo como finalidade libertar a França do poder nazista, foi criado o CGE – Comité general d’études (Comitê Geral de Estudos) para definir as medidas legislativas que resultariam na Liberação. Os ataques aos alemães foram aumentando e, entre as operações mais espetaculares, está a explosão com dinamite, em setembro de 1943, da Usina Elétrica de Chalon-sur-Saône por um grupo da MUR – Mouvements unis de la résistance (Movimentos Unidos da Resistência).

De fato, crescia o combate às forças alemães, mas recrudescia ainda mais a perseguição e prisão de resistentes, que costumavam levar consigo uma cápsula de cianureto de potássio para, se capturados e presos pela Wehrmacht, cometerem suicídio e se livrarem da tortura que os agentes exerciam para exigir que revelassem informações importantes, como o endereço onde aconteciam as reuniões da Resistência, por exemplo.

Há registros de que quando o nazismo se apossou de parte da França, 900 espaços de detenção serviram a maltratos contra os que, sob o julgamento da Wehrmacht, se configuravam como uma ameaça. Eram campos de internamento, de concentração, prisões, centrais de detenção e fortalezas, para onde eram encaminhados judeus, resistentes, dirigentes comunistas, alemães antifascistas e detentos políticos tomados como reféns, dos quais muitos foram fuzilados.


Acervo Musée de la Résistance Nationale
Comunicado alemão contra resistentes comunistas
Decreto alemão de Corte Marcial anunciando o fuzilamento de um resistente por ter sabotado cabos telefônicos


Cartaz da propaganda nazista

Georges Duffau-Epstein, presidente da Associação Nacional das Famílias de Fuzilados e Massacrados da Resistência Francesa e Seus Amigos (ANFFMR), afirma que “140 mil resistentes foram deportados ou levados a campos de concentração, dos quais quase 100 mil morreram”.

Diante do poderio alemão, conclamar a liberação da França só foi viável com a ajuda das tropas dos países aliados que no Dia D, 6 de junho de 1944, sob o comando do general norte-americano Eisenhower, desembarcaram na Normandia, no noroeste francês, e dali em diante uma série de processos de insurreição foi desencadeada, como o que liberou Paris em 25 de agosto de 1944.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Exemplar do jornal que leva o título Libération

Memória e continuidade
O Musée de la Résistance Nationale, localizado nos arredores de Paris, forma com mais de uma dezena de espaços distribuídos na França, entre museus e centros históricos, uma rede institucional que tem por objetivo recontar a história da Resistência e da Liberação. De um modo geral, esses lugares são fruto do esforço de resistentes, que, organizados em associações, conseguiram compor locais voltados à disseminação das suas ações.

Foto: Luciano Fogaça
Fachada do Musée de la Résistance Nationale

Em Paris, há pelo menos quatro endereços com este perfil, sendo um deles um complexo museográfico situado no bairro Montparnasse, sob o nome de Memorial du Maréchal Leclerc de Hauteclocque et de la Libération de Paris e Musée Jean Moulin de la Ville de ParisEm seu interior não somente jornais, cartazes e fotografias originais da década de 40, mas também o depoimento vivo de Charles Pegulu de Rovin, que aderiu à luta contra as forças alemãs na fase final da Resistência, quando a atuação estava mais voltada à Liberação. Hoje, com 89 anos, ele trabalha voluntariamente no memorial dedicado ao marechal Leclerc, onde exerce a função de conselheiro histórico.

Rovin integrou a Segunda Divisão Blindada (2ª DB), unidade militar francesa independente, criada pelo general Philippe Leclerc, em Témara, no Marrocos, durante a Segunda Guerra Mundial, e que recebeu importante contribuição dos Estados Unidos: “praticamente tudo que tínhamos vinha dos norte-americanos, até o que comíamos”, brinca Rovin, que após ter atuado na liberação de Paris, participou da Campanha da Alsace, libertando Strasbourg e cidades vizinhas, e depois seguiu até a Alemanha numa espécie de escolta aos alemães: “fomos levá-los em casa”, ironiza.

Na década de 40, o ex-combatente, que não é de uma família de militares, integrava a equipe da Força Nacional, que deveria, em caso de bombardeio, se dirigir ao local bombardeado, e, antes de prosseguir contando como se desenvolveu a sua participação na liberação de paris, ele fez questão de deixar dito: “as coisas com a Alemanha estão resolvidas; não há mais nenhum problema, atualmente”.

Adesão à luta
Chamado a falar da forma como se engajou nas ações contrárias aos alemães, Rovin contou: “quando me juntei ao grupo que trabalhou na Liberação, eu tinha 18 anos e estudava engenharia. Eu me engajei em 1943, no Hotel de Ville (o equivalente a uma prefeitura municipal), onde estavam os alemães. Havia uma perspectiva de bombardeio, mas este não houve; ainda bem, pois eu, por exemplo, estava armado apenas com uma metralhadora Sten e tudo que ela produziria seria apenas 30 segundos de fogo. Nós entramos, então, pelas portas do lado e os alemães se renderam no dia 25 de agosto de 1944”. 

Foto: Luciano Fogaça
Ex-combatente Charles Pegulu de Rovin

Depois de cumprir seu ciclo na 2ª DB, Rovin deixou a carreira militar e passou a trabalhar com o pai no setor de usinas. O conselheiro se lembra de seu engajamento como uma ação cívica que lhe era indispensável fazer: “Nós estávamos ocupados pelos alemães, e era uma ocupação muito pesada, muito demorada – já faziam quatro anos. Havia alemães por todos os lados, havia toque de recolher, existiam calçadas nas quais não podíamos pisar. Então, quando eu soube de um possível bombardeio em Paris, eu fui ajudar a construir a Liberação. Se seu país está ocupado, é um dever recuperá-lo”, declara.

“Para mim aquilo foi normal, tínhamos que nos desvencilhar dos alemães, as coisas não podiam continuar como estavam. Era preciso nos libertar do inimigo. Aquele era o nosso dever. Pena que hoje as pessoas infelizmente não conseguem mais saber qual é exatamente o dever a ser feito”, analisa Rovin, que guarda uma grande admiração pelo general Leclerc, líder da 2ª DB.

“O general era justo. Para ele, um homem era algo muito importante. Entre nós, soldados, o chamávamos de “O chefe”, e para saber o que ele significa, basta dizer que, hoje, 70 anos depois, 1000 ex-integrantes da 2ª DB continuam contribuindo financeiramente para uma associação em torno do seu nome. Nenhum partido político, nenhum sindicato, que esteja fora de operação por 70 anos, tem isto”, destaca Rovin mostrando, em seguida, o afeto que permanece entre os que serviram à divisão: “quando nós nos encontramos, nós nos cumprimentamos com beijo e não falamos nem em dinheiro, nem em política e nem em religião”, diz sorrindo.    

Após a Liberação
Quando a Resistência se dedicou mais atentamente à organização das estratégias voltadas à Liberação e se propôs a pensar no modelo da gestão política que seria realizada depois da retomada da França, outras discordâncias emergiram, sobretudo, no que tange à tentativa de organização de um partido dos trabalhadores que viria a reunir os anseios esquerdistas.

O dissenso entre os resistentes não foi diluído e, portanto, uma nova república não foi imediatamente instalada. Sendo assim, o CFLN (Comitê Francês de Liberação Nacional) foi convertido em GPRF (Governo Provisório da República Francesa) e governou a França até a posse do presidente Vicent Auriol, em janeiro de 1947, quando uma constituição foi promulgada e a IV República instituída.

De Gaulle, entretanto, só viria a presidir a França em 1959, depois de em 1958 ter liderado a redação de uma nova Constituição e ter fundado a atual V República. Ele permaneceu na presidência até o ano de 1969. 

Condecorações
Para recompensar os resistentes, o Estado francês, além de garantir as devidas indenizações, concedeu algumas honrarias, entre as quais a Ordre de la Libération (Ordem da Liberação), criada já por De Gaulle e entregue não somente aos aproximadamente 1000 resistentes mais atuantes, como também para unidades territoriais que estiveram intensamente envolvidas nas ações da Resistência, como as cidades de Paris e Grenoble. Os resistentes prestigiados com tal distintivo são chamados Compagnon de la Libération (Companheiro da Liberação) e, hoje, 18 deles estão vivos.

Este ano a Resistência completa 70 anos. O Ministério dos Antigos Combatentes e Vítimas de Guerra está organizando um programa comemorativo, e entre as ações previstas, está a condecoração de resistentes que ainda não tenham recebido alguma medalha. Em março passado, num gesto de reconhecimento dos valores pregados pela Resistência, como o combate ao totalitarismo, o presidente François Hollande autorizou a transferência das cinzas de quatro resistentes, dos quais duas mulheres, para o Panthéon. 

“Eu perdi meus dois pais”, diz octogenária que testemunhou a ocupação da França

Quando nossa reportagem contatou o estudioso Laurent Védy para agendar uma entrevista com sua tia Yvette Buisson, cuja vida foi diretamente afetada pela Resistência, ele respondeu por e-mail: “domingo, após o almoço, nós podemos ir à sua casa, mas aviso antecipadamente: ‘ela terá a lágrima fácil, mesmo muito tempo depois’”.

Laurent tinha razão. Yvette, que mora na pequena cidade de Paray Vieille-Poste, onde uma das praças, desde o ano de 1951, leva o nome de Maxime Védy, tio que a adotou como filha e foi um adepto da Resistência, lembra com dor o período em que a França foi invadida pelos alemães:

“Embora muitos anos já tenham se passado, é como se tivesse sido ontem”, falou apresentando uma voz embargada, após ter disponibilizado para nossa reportagem a pasta onde ela guarda todos os documentos alusivos a Maxime Védy, como as condecorações póstumas recebidas pela família e as correspondências enviadas por Maxime quando ele se tornou preso político no Fort Barraux, estrutura que serviu de cárcere para as duas grandes guerras.


Foto: Luciano Fogaça
Praça Maxime Védy

Entre essas correspondências está a última carta escrita por Maxime três horas antes de ser fuzilado, na qual ele solicita que Yvette seja oficialmente reconhecida como sua filha e que a empresa de sua propriedade se converta numa sociedade operária.

Essa carta – uma folha de papel sem margem escrita nos dois lados – traz frases que seus descendentes memorizaram por completo, e uma delas é esta: “Eu sou corajoso diante da morte, entretanto, eu amava muito a vida, eu já tinha percorrido dois terços da minha existência, e o terço que será de mim levado esta tarde será recompensado pela imortalidade da minha personalidade, pois eu morro como um bom francês, eu morro consciente de ter servido ao meu país”.    

Arquivo da família
Última carta de Maxime Védy antes de ser executado

Pai natural e pai adotivo
Yvette tinha 17 anos quando a Alemanha invadiu a França, e não fazia ideia do quanto a sua vida seria outra a partir dali: “eu perderia minha juventude; foi um tempo sem viagem, sem saídas, sem alegria, sem riso, até mesmo sem bicicleta, a brutalidade dos alemães estava por todos os lados; havia muita restrição”, recorda, e logo em seguida descreve o que se passou durante a Ocupação:

“Qualquer pessoa vista como progressista era tomada como inimiga quando a Alemanha nos invadiu, e na década de 40, progressista era qualquer pessoa que se posicionasse contrária à burguesia, ao estabelecido e ao catolicismo excessivo”, explica.

Yvette não conheceu o pai, ele se chamava Gilbert Médéric Védy, “e se ele foi um desconhecido para ela, não é, no entanto, para a história dos sombrios anos da França”, informa seu sobrinho Laurent, salientando que Médéric foi uma importante referência na luta contra a Ocupação, mas que sua filha não o conheceu, visto que ele construiu outra família e a abandonou quando ela ainda era um bebê, razão pela qual Maxime, seu irmão, a adotou.

Foto: Luciano Fogaça
Yvette Buisson

Os dois irmãos e os seus percursos
Maxime e Médéric não tinham contato entre si, mas cada um, do seu lado e a seu modo, desde que um movimento de recusa às ordens dadas por Pétain começou a se espalhar pela França, se engajou em atos contrários ao nazismo.

Ambos empreenderam consistentes trajetórias de luta, as quais os fizeram conhecidos no país: Maxime recebeu postumamente o título de Compagnon de la libération (Companheiro da Liberação), a mais elevada honraria disponibilizada pelo Estado francês para quem participou da Resistência, enquanto Médéric tem seu rosto estampado num selo postal.

“Desde as primeiras horas Médéric estava convencido de que era preciso fazer a Resistência, enquanto a maioria hesitava; tanto que já em 17 de junho de 1940, ele colocou um barco de sua propriedade à disposição para que 12 soldados ingleses voltassem para seu país, e em 3 de julho do mesmo ano começou a imprimir e a distribuir panfletos anti Pétain”, destaca Laurent. 

“Médéric foi engenheiro numa empresa pública, se desfez de todo seu patrimônio, queimou todos os seus documentos e se rendeu à clandestinidade, tendo chegado à função de deputado na Assembleia Consultiva relacionada à France libre, em Alger”, narra Laurent trazendo mais adiante o percurso de Maxime: “ele vendeu todas as suas terras e a maior parte de sua empresa para poder se juntar à Resistência”. 

Maxime, segundo Yvette, começou a participar em segredo: “Ninguém da família sabia que ele fazia parte da Resistência, suas saídas de casa eram, para nós, sempre em razão do trabalho; só soubemos do seu envolvimento quando minha mãe e eu fomos presas e interrogadas. Neste dia descobrimos sua ligação com o movimento”, explica fazendo questão de mencionar que elas duas não sofreram tortura e foram liberadas no mesmo dia, já que Maxime, que era procurado há muito tempo, foi capturado no mesmo dia.

“Ele tinha 150 funcionários e guardou o espírito operário”, afirma Yvette, para quem Maxime “foi um verdadeiro militante, pois se desfez de boa parte do seu patrimônio para fazer frente ao nazismo e quando foi preso trazia consigo 35 mil francos para pagar os soldados franceses”.

Arquivo da família
Médéric e Maxime Védy

O reencontro e a curta reaproximação
Médéric e Maxime, depois de muitos anos sem se verem, se encontraram por acaso, em 1943, numa reunião preparatória do Comitê da Liberação de Paris, e assim descobriram a mútua identificação com os ideais da Resistência. Mas os dois não tiveram muito tempo para se reaproximar.

“Maxime morreu em 7 de março de 1944, fuzilado no Mont-Valérien, e Médéric em 21 de março de 1944, depois de ter sido capturado pela Brigada Antiterrorista, próximo a uma das estações de trem em Paris, e para não se deixar ser torturado, decidiu durante o interrogatório ingerir sua pílula de cianureto”, conta Laurent.

Marcas
Yvette mora na mesma rua desde que nasceu, tendo mudado somente de casa e uma única vez. A antiga residência é onde vive Jean Max, um dos seus três filhos, e em cujas instalações há marcas do período da guerra, quando poupar era uma obrigação: “Havia muita escassez, tudo era racionado, desde comida ao caderno escolar; lembro que tínhamos direito a uma barra de chocolate para cada três meses; quando eu recebia a minha, eu comia toda de vez, enquanto minha amiga comia pedacinho por pedacinho, e houve um dia em que eu falei: ‘coma de uma vez só pra ver como é bom’, ela então comeu e foi uma festa para nós duas”, recorda-se.

Foto: Luciano Fogaça
Casa de Jean Max onde Yvette passou a infância e onde morou Maxime Védy

As perdas sofridas aparecem a todo instante nas falas de Yvette, que lamenta não ter podido conhecer seu pai biológico: “Eu estava me preparando para conhecê-lo, depois que meu tio me disse que eles tinham se encontrado numa reunião, em Paris, mas antes de eu ir até ele, ele cometeu suicídio para não ser torturado, o que aconteceu 15 dias depois de meu tio ter sido fuzilado; ou seja, num intervalo curto eu perdi os meus dois pais”, diz com os olhos marejados.

No entanto, em meio a tristeza, Yvette revela a força de quem sabe o que é atravessar uma guerra: “sobreviver foi muito difícil, e só foi possível sobreviver a tudo isso porque a vida é algo forte e suporta tudo, e porque nós, humanos, somos alguma coisa de muito sólido”, afirma a senhora de rosto sereno que, quando perguntada que lição a Resistência lhe deixou, responde: “nós aprendemos a ser coerentes, a ter convicção, a ter o espírito aberto ao outro e a não tolerar a injustiça social”. 

NOTA DA AUTORA: Espero que esta reportagem contribua para fazer conhecido no Brasil um pouco do que foi a Resistência Francesa.