19 de agosto de 2010

Cenas da Irmandade da Boa Morte










































Escrevi o artigo "Fotógrafos e cinegrafistas na Festa da Irmandade da Boa Morte" e está publicado no site da Omi-dùdú, ONG sediada em Salvador e que valoriza a estética como orientadora do cotidiano. Para ler, acesse http://nucleoomidudu.org.br/
Estive por três dias em Cachoeira, no Recôncavo baiano, e meu par de olhos viu de perto a força das mulheres da Irmandade da Boa Morte, confraria religiosa, guardiã dos elos entre a África e o culto católico, e que ultrapassa os 200 anos de vida. Linda festa! Linda forma de cumprimentar a memória!

12 de agosto de 2010

Sou parte de uma história de amor

Minha amiga está apaixonada, se vendo em começo de amor, desabrochando o coração, aquecendo o corpo do outro, tendo seu corpo aquecido. Ela está estancando a dor das relações anteriores, retirando o nó do peito, sentindo vontade de ir além ao lado de quem ela pouco conhece, mas enxerga como parte da sua caminhada, como gente com quem, de repente, fará gente. Sensacional isso!

Ela me telefonou há pouco, feliz, com voz de quem colhe flor no jardim da praça e assim aje, sendo dona de um gesto que será guardado para sempre em sua memória. Falar com ela, hoje, me encheu de satisfação e me fez lembrar de quando encontrei o meu amor. Foi numa festa, no quintal de uma linda casa, no barroco bairro do Santo Antônio. O próprio nome do lugar já sugeria encontro, continuidade, arranjo sentimental.

Ao ouvir minha amiga e acolher seu riso de plenitude, me vi tendo o que lhe dizer, me enxerguei sendo parte de uma história de amor, me peguei, valendo da minha experiência de amar e ser amada, para recomendar que ela se delicie com tudo que agora lhe chegar, e que seja leve, calma e acredite que é merecedora do que o mundo está lhe dando. Portanto, braços abertos, quentes, aconchegantes, para receber, para receber.

Sugeri que se perceba usufruindo da arte do encontro, e como encontros de verdade são raros nesta vida, que se dê conta disso, que se embale com o beijo, cujo desenho só surge quando elos bonitos se fazem; que valorize todos os pedacinhos do dia: cada ligação, torpedo, recado no celular, e-mail enfeitado; derreta-se com a mensagem na beira da cama, enlouqueça com o olhar profundo trocado na mesa de bar, se entregue às mãos que tocam as pernas numa sessão de cinema e que, acima de tudo, saiba que o amor não está pronto, ele se faz a todo momento, a todo instante, caminhando e cantando, vulnerável, sim, a tudo que lhe cerca, e, por isso, se comporta como um permanente solicitante de cuidado, reformulação, carinho, energia, adubo, oxigênio.

Necessário se faz que amemos, sabendo-nos dentro de um amor real, portanto, com toques de contradição, armadilhas, sonhos, sinais belos, vontade própria, desconexões, conexões, pontos que não se comunicam, gestos que não se aproximam, diálogo, concordâncias, serenatas, delícias; um amor, que por estar vivo, se revela querendo crescer e contagiar tantos outros corações.

11 de agosto de 2010

Faço-me

Sensações me convocam para que eu pense minha caminhada. Estou bem, mas ainda persiste a reflexão sobre o que dentro de mim é revirado, quando estou diante dos perturbadores momentos da lida. Poderia ter escrito crônicas nestes últimos dias, mas preferi guardá-las. Ando sendo o meu próprio segredo.

3 de agosto de 2010

Porque ela soube criar com muito amor

*Texto que escrevi para ler na missa de Sétimo Dia da minha avó

Participar da partida de vó Edite em direção ao plano espiritual, onde só há presença divina e sentimentos ligados à alma, é revisar a nossa própria vida; eu, por exemplo, me dei conta de que ainda que eu queira, eu não vou dar ao mundo o que minha avó ofereceu: cinco filhos, quatro filhas, 13 netos, 15 netas, seis bisnetos e sete bisnetas.

Sim, ao mundo vó entregou uma família grande, bonita, forte; uma família tecida com numerosos encontros, aninhada com muita luz e repleta de amor; uma família voltada a diversos anseios e que é povoada por diferentes profissionais: há comerciantes, jornalista, administradoras, enfermeira, farmacêutica, engenheira, professoras, donas de casa, comerciária e muito mais. Uma família dada a uma saborosa farra, daquelas farras animadas com piadas, cerveja gelada, comida gostosa e riso solto, e que nem todos têm a oportunidade de conhecer e de conviver.

Mas aqueles que têm - e nós, graças a Deus, a vô Maurício e a vó Edite, temos - sabem o quão valioso é viver rodeado de muita gente, o quanto é enriquecedor acessarmos um grau de comunhão que só se experimenta quando se é parte de uma família imensa, pois partilhamos de um calor humano único, um calor que só sentimos quando temos o presente de termos tantos tios, tias, primos, primas, um calor que só tocamos quando gozamos da emoção de estarmos no mundo, cercados de um significativo número de pessoas com as quais compartilhamos o mesmíssimo sangue.

Viver deste modo, ou seja, em multidão familiar é ter o irrepetível prazer de dançarmos juntos uma ciranda encantadora, olharmos um no outro e nos reconhecermos próximos, irmanados, gente da mesma linhagem, ainda que tenhamos - e que bom que temos entre nós - infinitas diferenças.

Então, a oferta de vó e de vô para o mundo é de um tamanho que, por mais que eu caminhe, que eu estude, que eu rode e pilote o barco em busca de uma história de extensão familiar parecida, eu não vou poder escrever, fazer, emoldurar. Afinal, este sagrado direito de ser avó de muita gente, de reunir amor vindo de tantas diferentes fontes nem eu e nem nenhuma mulher da minha geração temos condição de alcançar.

E é lindo nos darmos conta da vasta história de vida de Edite, meus queridos primos e primas, mainha e queridos tios Carlinhos, Zelito, Lucinha, Marivaldo, Marinalva, Orlando, Licinho e Rita, tios e tias que são meus tios e minhas tias porque meu avô e minha avó me deram, e saibam que ao abraçar cada um de vocês na última quinta-feira eu me dizia: este homem é meu tio porque minha avó e meu avô me deram como tio; esta mulher é minha tia porque meus avós me deram como tia, esta mulher é minha mãe porque é filha da mãe dela.

Fantástico notar o que uma avó e um avô fazem na vida de alguém. Eles nos apresentam uma família, para além dos nossos pais e dos nossos irmãos. Mas, aos netos vó não só deu tios e tias, aos filhos vó não deu somente irmãos e irmãs, aos sobrinhos ela não deu apenas primos e primas; ela ofereceu muito mais, foi mais adiante, visto que sempre nos alertou para a necessidade da existência do amor entre os que fazem parte de um mesmo ninho familiar. Afinal, sabemos: vó cultivou um modo de vida em que, a todo tempo, zelava pelo afeto entre todos nós. Ela soube, como ninguém, transmitir o recado de que se há beleza no mundo, esta mora numa família unida.

E, hoje, nesta noite em que celebramos o seu nome, quero lembrar o quanto vó Edite foi uma mulher inteira, forte, viva, capaz, independente, autônoma. Dona de uma majestosa força feminina, vó, ao longo dos seus 87 anos de vida, fez do exercício da maternidade, da costura, da culinária, das viagens e da vida em família e com Deus as suas principais referências, as suas mais valiosas ocupações.

Conviver com vó Edite foi acima de tudo uma experiência de alegria, pois até seus reclames, comuns a qualquer ser humano que lida com as adversidades do cotidiano, nos permitiam extrair risos, tirarmos uma graça, sugeriam uma imitação divertida de ser feita, sem que ela visse, claro. Afinal, só para citar certo detalhe do seu comportamento, na boca de vó as palavras ganhavam tom exclusivo, jeito próprio, pois somente vó chamava Débora, sua neta mais velha, de "Debra", somente ela dizia um "Maurííício" mais bem pronunciado, um "Marinaaalva" mais comprido.

Dar uma cara à sua forma de estar no mundo talvez tenha sido um dos maiores poderes de vó, e este seu poder de marcar a existência foi amplamente confirmado em sua partida, pois teve casa cheia, rua praticamente interditada, sol bonito, um cair da tarde com luz poética e recebeu um punhado de depoimentos emocionantes. Destaco o da sua sobrinha Lola, que afetuosamente lhe olhando, disse: "o endereço da tia Edite todo mundo sabia, Rua da Liberdade, n° 85, uma casa alegre, onde todo mundo queria estar".

Sim, Lola tem razão, a casa de vó é daquelas casas quentes, animadas, barulhentas e que estão ficando cada vez mais raras, visto que a vida veloz dos dias corridos tem contribuído para a redução da quantidade de encontros entre as pessoas e escasseado o rito de preparação da mesa para a família, junta, se alimentar .

Mas, a mesa de vó, não, a mesa de vó parecia imune aos avanços tecnológicos, à correria da vida agitada. A mesa de vó, em datas festivas, estava lá... com sua toalha bonita, comida farta e feita com total carinho, vô sentado na cabeceira, tio se espalhando, gente chegando, primo rindo e a festa rolando. Ali, na mesa da copa daquela casa, que ao longo do tempo, mudou de porta, de janela, de cor, mas não perdeu a essência da reunião, estava, nos dias mais importantes do calendário, como no Dia das mães, Dia dos pais, Semana Santa, garantida a nossa celebração.

E ali naquele ninho caloroso, com vó e vô, nós, da família Oliveira, aprendemos a fazer folia, aprendemos o sentido de família, e mais: aprendemos a pedir a bença, beijando a mão direita de um senhor, cheio de graça, e de uma senhora, dona de um olhar inconfundível. Ali, deliciosamente comendo, aos domingos, vatapá com macarrão, galinha cozida e outros quitutes de sabor inigualável, aprendemos a ser, aprendemos a caminhar, pois, atrás dos óculos daquela mulher de corpo esguio, invariavelmente, coberto com vestidos estampados; aquela mulher de cabelos penteados para trás e ajeitados com simples grampos, e tendo nos pés chinelos com tiras cruzadas na cor preta ou marrom, o que se via, o que se sentia era um profundo pedido de amor.

De dentro de vó ecoava a solicitação para que o afeto nos preenchesse, a compaixão nos alimentasse. Vó espalhava o pedido de união, de harmonia. Ela queria todos a seu redor, emanando seu carinho, manifestando sua amizade. E com vó aprendemos mais, aprendemos a ter disposição para a vida e a espantarmos a preguiça, verdade que ela muito bem lançou em sua última missa de aniversário, quando o padre Edinelson, da comunidade Cristo Redentor, onde moram suas filhas Lurdinha e Lucinha, lhe perguntou qual era o segredo da jovialidade. Diante da indagação, ela prontamente disse que era asseada e fazia tudo em sua casa.

Bonito ver vó dona de si e tão bonito é, que a vida, sábia por demais neste mundo de meu Deus, providenciou sua ida sem sofrimento prolongado e com um senso de independência e autonomia, que empresta à sua partida uma coerência com a sua trajetória de vida. E que rito de passagem vó teve! Tão intenso e tão singular que aquela quinta-feira está escrita na história do bairro Sobradinho. Havia gente de toda parte: irmã, filhos, filhas, netos, netas, bisnetos, bisnetas, sobrinhos, sobrinhas, genros, noras, irmãos de genro, mãe de nora, pais do marido da neta, professoras da escola da irmã e muito mais.

Havia gente de cabelo branco, criança, bebê; havia gente fardada com a blusa da Farmácia Silva, gente com as vestes da Universal Móveis, gente com o fardamento de outras lojas do comércio de Feira de Santana, e estas pessoas, ao fazerem parte do rito de passagem de vó na mesma hora em que costumam cumprir o expediente de trabalho, sinalizaram que elas, à medida que receberam a notícia - anunciada na voz de Tanúrio Brito, radialista conhecido da cidade, que comunicou a partida de vó citando o nome de todos os seus nove filhos - foram deixando seus postos, esquecendo suas obrigações e se dirigindo à tão formidável casa n° 85, na Rua da Liberdade, no bairro Sobradinho, para darem o seu último abraço, deixarem a sua flor, esquentarem o coração com a força que vó sempre transmitiu para os que lhe conheceram. E ela teve a vizinhança toda presente, dizendo o quanto foi bom morar pertinho da sua casa, estando bem perto dela as amigas Germânia, Noélia, Tia Menininha e Mariá, com quem vó papeou em sua caminhada. Como é bom ter amigas!

Quem conviveu com Edite teve o prazer de usufruir da companhia de uma mulher, que nunca se deixou ser tomada pela tristeza irremediável. Não, nela não havia espaço para a melancolia, para o desespero, o negócio era curtir a praia de Cabuçu, viajar com as amigas da universidade da terceira idade, passar uns dias na casa de um filho, usar o tempo de modo bom. Sim, sabemos que tivemos uma mãe, uma tia, uma vizinha, uma irmã, uma avó de personalidade, uma avó que, carinhosamente, escreveu seu nome em lindíssimas roupas para os seus amados e suas amadas. Eu mesma ouvi diversas vezes as pessoas comentarem que minhas roupas eram muito alinhadas, ao que eu respondia, com muito orgulho: "foi minha vó quem fez".

E se hoje conheço o significado da palavra aviamento, quem me ensinou? Vó Edite. Se sei que existe um tipo de saia que é a saia evasê, quem me ensinou? Vó Edite, através do seu elo com o mundo das linhas e das agulhas, de modo que não dá para eu me esquecer da sua máquina, do seu dedal protegendo a sua mão na hora de colocar a linha na agulha, da sua tesoura cortando os tecidos, cuja metragem pedida por ela era sempre movida por uma preocupação econômica; aí suas filhas corriam na Tecidos Feirense e pediam exatamente o tamanho que ela sugeria.

Alinhavando aqui, medindo a prova ali, lá ia vó conduzindo suas horas, regando seu coração, cozinhando, iluminando a nossa vida, vendo televisão, limpando a casa, falando ao telefone com seus filhos, balançando-se em sua cadeira. E assim, sendo tão única, eis que vó escreveu seu nome em roupas belíssimas, escreveu seu nome no sabor exclusivo do seu feijão, na delícia perfeita do seu doce de leite, que não há igual neste planeta; deixou sua assinatura em maravilhosos e afermentados bolos, cujo modo de fazer foi aprendido pelas suas filhas, e vale dizer que o gosto gostoso dos seus bolos não ficou restrito a seus familiares, visto que alguns dos seus filhos já os comercializaram em bares da cidade.

Sem dúvida, são muitas as imagens e os sentimentos em torno de vó e que, com amor, vão ficar guardados em nossa memória... é a imagem do bolo em cima da geladeira, são os copos de alumínio onde bebíamos água, a sua roupa atrás da porta do banheiro, a sua casa sempre limpa, ou melhor, asseada, como ela preferia dizer, são os almoços plenos de alegria em sua casa e muito mais.

E quem muitas realizações fez neste mundo, minha gente, merece descansar ao lado do Pai, sabendo que os seus entes queridos aqui prosseguirão suas vidas, e prosseguirão certos de que tiveram uma mãe, uma avó, uma tia, uma irmã, uma vizinha, que fez da vida um exercício de amor, sobretudo, o amor que se revela no árduo e prazeroso ato de criar pessoas, pois sabemos o quanto vó foi presente na criação dos seus filhos e de alguns dos seus netos, de maneira que ela cumpriu este ofício até os seus últimos dias de vida, pois, no alto dos seus 87 anos, Kleber, Orlancley e Gustavo, três dos seus muitos netos vinham recebendo mais de perto os seus mimos.

Com certeza, esta foi a forma mais firme de vó existir, ou seja, dando-se ao ato de criar, de educar o outro, sendo avó e sendo mãe, sempre, sempre, sempre.

Vó, nós te amamos.