30 de dezembro de 2009

Rapidez

Ausentei-me deste lugar e volto com a notícia de uma viagem que começa no próximo dia 8. Seguirei de ônibus com um grupo da UFBA por nove países da América do Sul. Pois é, a vida é muito rápida e as incertezas continuam sendo a aspiral que a encaderna. Entra ano, sai ano, e tudo parece ainda mais incerto, por isso, o lema é não nos desperdiçar. Não deixar escapulir o melhor que somos, não encobrir a força vital com sentimentos que não prestam. Bom, mas enquanto me chegava a notícia da viagem, fruto de um processo seletivo que participei na universidade, as luzes cobriram as cidades e a noite de Natal chegou. Fez-se acontecimento em meu universo, como em tantos outros. Catei um sentido para ele, virei e revirei, buscando identificar o que ele significa em minha fase adulta. Encontrei como sentido o encontro entre as pessoas, o ato de presentear quem se gosta, as visitas à casa das tias, a troca de afagos, a chegada de mensagens de amigos queridos, um repensar sobre o tamanho da minha família, que há tempos é constituída das mesmas seis pessoas, e a constatação de que mudanças chegam para todo mundo: minha mãe começou a aprender a se priorizar, pois acordou às 6h para ir ao salão; não quis correr o risco de ficar sem as unhas feitas e o cabelo tingido na noite do dia 24, dia em que costumeiramente ela se entrega à realização de inúmeras tarefas domésticas e, sobretudo, administrativas, de modo que não sobra tempo para os cuidados consigo. Ah, e o mais interessante é que a frase que deu esta dimensão de aprendizado veio de Margarida, que trabalha com minha mãe há muitos anos. Ela disse: "Dona Lurdinha aprendeu a viver, foi bem cedo pro salão este ano". Bom, mas o melhor do meu Natal foi saber que Jeferson é o menino Jesus. Vou contar a história: ele é neto de minha tia Nalvinha, tem oito anos e é um menino bastante emotivo. No final da tarde de um certo sábado, ele saiu com a avó pelas ruas do bairro do Sobradinho para fazer um breve passeio. Era quase noite, quando voltaram para casa, e, no Sobradinho, já é hora dos feirantes, que no domingo trabalham na feira, estarem com seus cestos vendendo seus produtos. Minha tia aproveitou para comprar feijão nas mãos de uma mulher e seguiu para casa. Passados uns poucos instantes, viu que Jeferson chorava muito. Ela parou o que estava fazendo e lhe perguntou o que estava acontecendo. Ele disse: "eu estou chorando porque aquela mulher, do feijão, minha avó, vai dormir na rua, e isso não tá certo, na rua não tem cama, não tem coberta e nem tem comida". Minha tia, muito sentida, tentou lhe dizer que ela estava acostumada a passar a noite de sábado na rua para poder fazer uma feira mais proveitosa no domingo. Ele, com os olhos cheios de lágrimas, disse: "Então, vamos voltar lá e comprar todo o feijão dela, e aí ela pode ir pra casa". Minha tia ficou sem palavras. E ao me contar, fiquei eu, sem palavras, arrepiada e certa de que o humano é muito tocante. Jeferson é o meu menino Jesus.

3 de dezembro de 2009

Um nobre despertar

Acordo. E que luxo é acordar. Acordar com saúde, acordar com tudo no lugar. Luxo acordar com vontade de acordar. Luxo acordar ao seu lado, ouvindo-o falar sobre como o olho funciona! Luxo aprender, de manhazinha bem cedo, que a cor só é descoberta por uma criança quando ela se alfabetiza. E que luxo saber que fui criança, que fui alfabetizada e que descobri as cores e que gostei e gosto das cores! Luxo aprender que o olhar é campo para a semeadura da ilusão. Ôps, mas isso pode render tantos pensamentos, imagino eu. Mas, vou deixar para elaborá-los mais tarde. Luxo ter olhos, ter olhos que vêem. Luxo caminhar levando as retinas para todos os lugares para onde eu vou, e que maravilha que vou a muitos lugares! Lembro de um escritor que dizia: "o bom não é fazer várias viagens com um único par de olhos, mas uma única viagem com muitos pares de olhos." Quero, então, muitos olhos dentro dos meus dois olhos. Hoje, desejo saber mais sobre a visão, que é, para mim, uma das portas para o mundo me penetrar. Pego-me com vontade de saber mais dos olhos e também das unhas. Afinal, estas são superfície para que eu coloque mais cor em minhas mãos, em meus pés. Hoje, elas, as unhas, me agregam o vermelho. Já houve dia em que trouxeram o rosa, outros, a cor renda. Sei: quero sempre mais cores em mim. Por favor, traga-me um esmalte cor de arco-íris.

1 de dezembro de 2009

Sou assim

A energia da frustração me recheia do que não gosto. Afinal, eu sou tão atenta à vida e quero tanto e absolutamente que tudo nela seja repleto de sabor, que, quando aquilo que eu planejo com amor desacontece, perco o controle, e aí vem a desassossegadora sequência: eu me desacerto com o mês de novembro, uso o verbo "registrar" no lugar de "comemorar", desperdiço possibilidades, jogo fora situações únicas, me embaraço com sensações de vazio, arremesso palavras cruas nos ouvidos alheios, exijo posicionamentos como se o meu modo de enxergar os acontecimentos fosse lei, exalto o fato de não ter tido o vestido de bolinha notado como bonito e enlouqueço ao ver o meu feminino negligenciado pelos olhos do homem que está comigo. Eu sou assim.

22 de novembro de 2009

Para minha amiga

Não deixe que seu cabelo lhe escape, seu corpo lhe negue, a expressão da beleza lhe abandone e o homem, que veio para colher quem você é, desapareça. Então, seja, seja e seja. Agora, já e imediatamente.

12 de novembro de 2009

Conhecimento de si

Tão bom quando os tons, os sons, os cheiros, as texturas; as pessoas, os caminhos, a luz, a sombra; as escolhas, os sabores, os nomes, as tendências; as estrelas, o ar, as impressões começam a se mostrar mais decodificáveis aos nossos olhos! O nebuloso perde força e a transparência se instala. Passamos a estar no mundo como seres mais cientes do que somos e do que queremos, e isto é mesmo fundamental para tocarmos a vida.

Sim, nada substitui o saber de mim sobre mim, de você sobre você, dele sobre ele, de minha mãe sobre minha mãe, do nadador sobre ele próprio, da cartomante sobre ela mesma etc. Eu, por exemplo, gosto de saber que gosto muito mais de azul do que de cinza, que quando a luz do fim do dia se instala por entre as nuvens eu experimento uma inigualável sensação de bem-estar, e que, quando é domingo, gosto de amanhecer leve, acarinhar meu amor, tomar tranquilamente um café e depois ler o jornal.

Gosto de saber que eu gosto de comer bolo gostoso, que gosto de fim-de-semana curtido com vontade, de filmes que ensinam, livros que desconcertam, samba, muito samba, e gente que conversa usando palavras saídas da alma. Que não gosto de humilhações, formalidades, certas convenções, roupas da moda, Wanessa Camargo e cenas televisivas que não me acrescentam. Gosto de saber que gosto de rir, dançar e de me singularizar na pele do outro. Que não gosto de egos inflados, gestos de guerra, filmes dublados, pedantismo intelectual e vozes que não ecoam sentimentos.

Gosto de saber que gosto de conversar com amigos, estar com minha família, escrever cartas de amor, tomar banho de mar e receber o sol nos seios; que prefiro o profundo à superficialidade, a animação ao tédio, a alegria à melancolia, casa a apartamento, decoração clássica à moderna; que adoro beijo na boca e um toque delicioso nas pernas. Que não gosto de preconceito, giló e da aceleração insana da humanidade.

Gosto de saber que gosto da efervescência do trio elétrico na avenida carnavalizada, de viagens marcantes, caminhadas bonitas, trilhas, banhos de cachoeira, muito verde, algumas noites de farra e outras bem dormidas, e que não gosto de Jorge W. Bush e de ritmos musicais enlatados. Gosto de saber que gosto e não gosto.

11 de novembro de 2009

Investimento

O universo não para pra que eu me organize. Não há sala de espera na casa-tempo. Se é para entrar, deve-se entrar logo.

7 de novembro de 2009

Dia 7 de novembro

Uma palavra desliza na outra. O calendário informa que é 7 de novembro. Há alegrias para serem colhidas nesta data, mas o corpo não foi procurado do jeitinho que deve, por isso, não está aceso.

31 de outubro de 2009

Um papo com o cansaço

Não, que nada, não venha pra cá corroer meu lirismo. Você não me oportuniza o sorriso. Para que eu preciso do sorriso? Para alimentar o mundo do que ele está necessitando, ou seja, de uma suavidade que duele com o atropelamento das emoções. Sim, o mundo me escreveu uma carta. Deu de me pedir que não seja mais uma a cumprir os mesmos ritos que esvaziam relações e solidificam corações. Ui, que responsa a minha, pensei. Mas, guardei a carta na caixa preciosa e me pus a tentar cumprir o seu apelo. Depois que li a correspondência, quis sentir o gosto de uma fruta suculenta, quis também ver um quintal cheio de roupas coloridas, andar na areia da praia e contemplar, contemplar, contemplar, tendo como sobremesa brigadeiro de colher. Sei que para sobreviver é necessário correr atrás, fazer, construir, dar conta disso e também daquilo e também daquilo mais, mas, por favor, não leve meu gingado de menina-mulher que gosta de ler a escritura do mundo.

28 de outubro de 2009

Refazendo-me

Não é somente minha flora intestinal que precisa ser recomposta. Por isso, se houver yakute para refazer a prosa e a poesia que existem em mim, eu também vou ingerir, pois, se os médicos prescreveram um antibiótico para combater a bactéria que me visitou, e recomendaram rigorosos cuidados alimentares, minha vida está me pedindo uma profunda atenção. Há tempos venho sentido-me longe de mim, sem conseguir tratar comigo os assuntos que me são tão valiosos. Imersa numa rodada de afazeres que não cessa, fui ficando sem encaixe com aquilo que me é mais precioso: a escrita sensível. Uma sensação de despertencimento foi me chegando, eu acumulei emoção sem transformá-la em palavras e, quando procurei, a superficialidade estava querendo se instalar. Ôps, não vou deixar.

22 de outubro de 2009

Ui...

Eu estava fragmentada e sem tempo. Eu me sabia cansada, mas ainda assim insisti. Fui, mesmo ciente de que não seria fácil me conectar. Sem traquejo para me dar limites, me propus a acompanhar, e aquilo, que pensei que iria me salvar, me deixou mais pra baixo, me fez receosa e presa ao que, por enquanto, desconheço. Agora, devo-me algumas reflexões. Vou fazê-las com muita calma. A poesia merece isso de mim.

14 de outubro de 2009

Só hoje

Hoje, não. Não, não quero. Não quero aventuras, não estou a fim de me colar na beira da busca incerta, estou cansada e quero sossego. Necessito de caminhos curtos e providências que não dêem margem a surpresas. Não, não quero ter que dar conta de nada diferente do que já estou acostumada a fazer. Hoje, quero a repetição e lhe peço: não me julgue por esta escolha. Tenho este direito. O direito de repetir, de vibrar intimamente com a rotina mais banal do cotidiano que traço todos os dias como fruto do meu jeito de me colocar no mundo. Ei, moço, permita que eu me reserve para a exatidão, pra aquela exatidão que não fere ninguém e que é tão bem-vinda quando estamos pesados porque frustrações e perdas nos chegaram. Isso! Deixe-me não querer ser aventureira, não me lançar, não me arremessar, nem muito menos me arriscar. Preciso de respostas que eu sei onde posso encontrar. É só hoje. Amanhã, prometo estar, de novo, nos braços da possibilidade, que eu - lhe digo -, não sei para aonde vão me levar, e exatamente por isso é que eu seguirei envolvida neles.

13 de outubro de 2009

Débito

Devo um texto de alegria. O débito foi contraído sábado, dia 3 de outubro, em Feira de Santana, na Estação da Música, onde o verde tomou conta da noite. Razão do débito: formatura em farmácia de minha única irmã que ainda não havia concluído a universidade. Por mais que eu queira transmitir o tamanho do débito, penso que não vou conseguir. Isso porque o texto que tem que ser escrito precisa comunicar o que, talvez, somente uma roda de samba tem competência para fazer. É que a formanda-formada era uma exuberância tão gigante de felicidade, que parece que não há tradução que alcance o patamar do seu esplendor. Fica a impressão de que a escrita não tem como semantizar o seu sorriso. Bom, mas ainda tenho fé que vou ter condição de escrever alguma coisa a partir das emoções que ela causou em todos os seus convidados. Contudo, enquanto preparo algo para falar, enquanto o texto não nasce em mim, vou reunindo as sensações que tive durante a festa para que elas me mostrem palavras, e ao mesmo tempo vou procurar alguns compositores de samba para que façam um samba-enredo e dediquem para a senhorita Cláudia Maria de Oliveira Carneiro, rainha da plenitude.

30 de setembro de 2009

Ovo

Minha casa é uma gracinha. Nela há livros, jornais, revistas, telas, poesia, espelho em forma de flor, tapetes que costuram retalhos, brinquedos, fotos e recados. Mas, minha casa está tão destituída de mim! Tenho ficado tão pouco nela, que, quando nela estou, sinto-me distante de suas partes. Aí fica minha casa sem meu eu dentro, entende? E eu sem minha casa dentro de mim. Resultado: sou uma gema sem clara, e ela uma clara sem gema.

27 de setembro de 2009

Escrevendo para ser-me

Não me esqueci do papel em branco, não me soltei do pescoço da palavra, nem me faltou motivo para escrever. O teclado em nenhum momento deixou de estar ao alcance, a criação não me abandonou e graças a Deus as formosuras da vida não se ausentaram dos meus dias. Contudo, a correria, às vezes, come minhas iniciativas de mulher que escreve para saber mais de si mesma. Inventa de levar com ela o impulso escrevente que me acompanha, e demora para me devolver. Por isso, fico dias sem me manifestar por meio da linguagem sensível. Olha, vou contar um segredo: há momentos em que me falta chance para usar o tempo com soltura. Mas, hoje é domingo, há particularidades no ar e uma descoberta linda me ocorre: estou tocando o que desejei para mim. E é tão lindo quando o desejo se converte em ato concreto! Quando deixa de ser um desenho esfumado e ganha tom palpável e descrítivel, quando seu hiato com a realidade se desfaz e passa o desejo a ter imagem captável a olho nu, passa o desejo a usufruir do caráter de vida ao vivo e a cores. Tão gostoso sentir o desejo ganhando enchimento! Sendo preenchido com o que foi sonhado! Fantástico vê-lo acessar a categoria de coisa tátil e não somente imaginada. Maravilhoso assistir ao desejo pendurar no passado o status de desejo e se carimbar solenemente no presente com o atestado de verdade vivenciada. E viva a realidade que tem o desejo como rascunho, meu Deus!

19 de setembro de 2009

Sábado

Músicas falam da cidade maravilhosa, o sono se instala, estômago pede comida. O laço lilás e as bolinhas brancas revestem minha pele. Meus olhos têm acesso ao que de mais lindo está perto de mim neste momento. Eu contemplo, rezo e sou simplesmente feliz.

9 de setembro de 2009

Setembro que puxa outubro

Antenas ligadas, curiosidade ganhando novas camadas, corpo pedindo exercício físico, desejo crescendo, verbos gostosos saindo pela nuca e uma vontade de aprender mais e mais me tomando da hora que eu acordo à hora que vou dormir. É assim que estou me sentindo nestes dias de setembro, que antecedem outubro, este, um mês que em mim está ressignificado, já que em novembro do ano passado ganhou mais beleza, e passou a ser um mês mais masculino, mais vivo, mais maduro, mais carioca, mais grisalho. De repente, até farei uma homenagem a outubro, que é também o mês da minha irmã Cláudia, irmã delicada e serena. Outubro me é, então, forte e leve como, por vezes, se apresenta o mar para mim.

17 de agosto de 2009

14 de agosto de 2009

Mesa de bar

A música entra pelo meu ouvido, e eu conduzo o olhar para o ponto mais distante da sala. Qualquer coisa que me ocorrer agora vai valer a pena. Sinto que retomei um senso que em mim estava quetinho. Refiro-me ao gosto que devoto às conversas de mesa de bar com amigos, quando fervorosas trocas acontecem para revelar pareceres acerca do mundo.

12 de agosto de 2009

Sou geminiana

Gente, este é o meu par de luvas no chão de Barcelona, onde eu queria ir a todos os lugares ao mesmo tempo. Não dá para desejar pouco de Barcelona. Eu estava sentada na calçada de uma rua, numa esquina animada das Ramblas, e, quando me levantei, as luvas caíram exatamente nesta posição.

11 de agosto de 2009

A natureza sabe

Nada me silencia e um dia o meu tamanho quis pertencer a quem me olha. Hoje, não deixo mais ser assim. Eu dito o comprimento que tenho. Afinal, não me deixo ser notada por nenhum sensor que busca vazios dentro de gente cheia de acontecimentos, e fujo de qualquer artifício que se preste a rebuscar o que há de humano em mim, a ponto de retirar-me da caminhada mais simples e me jogar num universo que não abraça a flexibilidade. Gosto de seguir adiante na escala das descobertas. Vivo querendo sentir o vento na face, estar numa estrada que desemboca numa paisagem lindíssima, pois não me interessa parar de escutar o chamado que apela para a vida menos ordinária. Aprendi que é válido enganchar a alça do vestido na maçaneta da porta que nos conduz para a beleza que só a natureza sabe dispor.

10 de agosto de 2009

Somente

Sou um pedido de ação. Preencha-me. Como uma ponte que leva pessoas a algum lugar, entrego-me à arte com o intuito de me transportar para o endereço do não sei. A arte é a ponte. O lugar eu descubro quando pela ponte eu passo. Talvez hoje eu venha a saber mais sobre uma dimensão minha ainda quase não tocada pela festa que você pode promover. Como se andasse na areia quente da praia, piso com cuidado no caminho que me levará para um dos meus principais anseios.

5 de agosto de 2009

Porque a casa dos meus pais está sendo pintada de amarelo-quase laranja, eu recorro à poema de Adélia Prado

Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Mal aproveitamento do tempo

Tive férias e não senti o sabor de folga. Não fui à praia, não usei biquini, nem fiz caminhadas em um calçadão qualquer. Agora, sentada à mesa do trabalho, sinto os olhos cansados, a emoção mucha e a fome por momentos deliciosos me deixa sem palavras. Preciso de um gosto temperado de festividade. De tudo que vivi nesses dias longe do batente, fica os rastros de felicidade da tarde de quinta-feira que dormi profundamente e acordei ao som de Norah Jones.

4 de agosto de 2009

No ritmo do Dia dos Pais

E se meu pai não se chamasse Luís Antônio Carneiro? E se ele não fosse filho de Linézia e Ziquinha? E se como bisavô eu não tivesse o velho Martinho da Roça do Alto? E se naquela noite, quando eu ainda era a criança que corria na varanda da casa 803 da Rua Milão e chorava porque todos os meus lápis de cor estavam com pontas quebradas, justo na hora em que eu precisava pintar o desenho recomendado como dever de casa pela professora do Colégio "O Pequeno Príncipe", ele, o homem de fala forte, não chamasse minha atenção e me mandasse parar de espernear e exigir uma caixa nova, dizendo que somente ao acabar aquela caixa eu poderia ganhar uma nova, pois muitas outras crianças da minha idade não tinham nenhum lápis, quem dirás uma caixa inteira? E se todas as vezes que ele visse as filhas arrancarem folhas limpas do caderno para fazerem "besteiras", ele não se lembrasse dos que estão na roça e não têm um pedaço de papel sequer para fazerem suas contas e registrarem os números da colheita? E se quando ele sofreu um acidente de caminhão em Candeias e voltou, graças a Deus, salvo para casa e passou alguns dias recolhido se recuperando vestido em pijamas estranhos aos meus olhos, ele não tivesse me incentivado a fazer a primeira foto da minha vida? Uma foto dele sentado no sofá de casa. E se naquele ano em que viajamos para Ilha de Itaparica, ele não tivesse confiado no adorável Sátiro, amigo da minha mãe que com ela trabalhava na Farmácia Silva e por quem eu era apaixonada e que me carregou no colo para atravessar um fiapo d'água? E se todas as vezes que íamos para o Sesc, em Salvador, ainda quando a prole era somente Débora e eu, e as lindas Cau e Juli não nos rodeavam, ele não brincasse com a superfície da água do mar, em Piatã, e com as mãos improvisasse um lindo chafariz? E se quando eu fui para a cidade de Natal no Rio Grande do Norte para vender poemas, ele ao falar comigo ao telefone não dissesse docemente: "minha filha, a gente está te esperando, viu?" Se nada disso tivesse me acontecido, eu não sentiria meu sangue ferver todas às vezes que vejo um samba de roda rolando frenético em algum canto do mundo; eu não teria desenvolvido um gosto pelos ideais esquerdistas; eu não teria crescido ouvindo Luiz Gonzaga; eu não teria dado minha mão, ainda quando eu era uma criança que não sabia escrever, para minha mãe me ajudar a fazer dedicatória em disco de vinil do Rei do Baião, que era sempre nosso presente para meu pai, que particulamente adora escutar a canção "Asa Branca". Se meu pai não fosse meu pai, eu não teria manifestado um desejo tão forte para pesquisar cultura popular, eu não carregaria uma maluquice. Se eu não fosse filha de Luís e Lourdes, eu não seria Sarah Roberta de Oliveira Carneiro, uma menina-mulher que aposta na humanidade, que busca maximizar a existência e percorrer mundos. Eu não seria uma menina querendo crescer. E por isto, por eu ser quem sou e do jeito que sou, eu quero agradecer imensamente a Deus por ter me dado o pai que tenho. Agradeço por continuarmos juntos até aqui, mesmo com quedas, tropeços, deslizes, desencontros, discussões, mas estamos, somos, seguimos, acreditamos, conversamos. E que a vida nos ajude a nos explorar, a nos aproveitar, a nos conhecer cada vez mais, para sermos um pai e uma filha com histórias, muitas histórias para contar para meus futuros filhos, seus futuros netos.

3 de agosto de 2009

Pedido para um possível gnomo

Se um gnomo aparecesse em minha casa agora, agora que a madrugada está de mãos dadas com os ponteiros, eu lhe pediria para apanhar a lua que brilha quase cheia lá fora e depositá-la em cima da minha cama. Hoje, dormiria com a lua sabendo que eu amanheceria muito mais iluminada. Tenho certeza que o sol ia adorar me receber em sua casa daqui a pouco, quando seus primeiros raios começarem a trabalhar.

"Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome"


Vixe...

Vixe, me deu uma vontade de conversar coisas que acontecem dentro da gente! Lembro das rodas de bate-papo que tínhamos quando morávamos numa animada república em Aracaju. Onde está todo mundo?

Palavras com aroma


Escapulindo

Eu já estava quase indo deitar ao seu lado no sofá da sala, para vermos o Jornal Nacional. Era somente o tempo de eu ler rapidamente um e-mail que me foi enviado em caráter de urgência por pessoas do trabalho. Mas, quando me preparei para acarinhá-lo, ele se levantou e tirou o time de campo sem muita paciência. Isso talvez seja fruto da minha equação desengonçada com o tempo. Vou colher algumas horas no jardim da minha casa para ver se isso se resolve em mim. Fui, as flores estão me chamando.

2 de agosto de 2009

Corrente: dê uma caneta

Aquele homem de cabelo crescido me fala de assuntos do coração no foyer do teatro. Eu lhe dou toda atenção do mundo porque sou profundamente interessada neste assunto. Em meio à conversa, Nelson lhe empresta uma caneta, pois aquele homem precisou fazer anotações num papel. De posse da caneta azul, ele escreve e diz ter adorado a letra que ela lhe fez ter. Demos então a caneta de presente. Contudo, impusemos uma condição, dizendo: "querido, esta caneta só será sua, se você usá-la para escrever carta de amor para sua namorada que mora em Curitiba". Ele prometeu cumprir. Então, só nos resta desejar que canetas azuis, vermelhas, verdes, amarelas sejam dadas e cartas de amor sejam escritas. Que pessoas se encontrem e o amor prossiga realizando suas benéficas artimanhas.

31 de julho de 2009

São Lázaro

Hoje é sexta-feira, o branco me veste e preciso ir à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, vugo São Lázaro, efetuar minha matricula. Daqui a pouco estarei no casarão, onde as ciências sociais me tomaram em cheio. Toda vez que piso ali, acesso o que seus ensinamentos certo dia me causaram: o desconforto mental.

30 de julho de 2009

Chego a pensar que Deus inventou dia e noite, somente para que houvesse pôr-do-sol. Adoro a cor do fim da tarde


Ai, como gosto do Sertão...


Intimidade de Shakespeare e Victor Hugo

Ontem, assisti ao filme "Intimidade de Shakespeare e Victor Hugo", de Yulene Olaizola. Trata-se de uma produção mexicana que se movimenta em torno da casa de hóspedes de Rosa, avó de Yulene. Vemos uma casa que respira histórias, esbanja acontecimentos e se mostra rica em tudo que a compõe. Suas paredes, seus objetos, seus moradores e moradoras são portadores de mensagens altamente significativas. É como se o mundo ali dentro engolisse o mundo de fora, fosse maior que a própria Cidade do México, onde está situada a explorada casa, exatamente na esquina das ruas Shakespeare e Victor Hugo.

O conteúdo da casa é abundante, e inunda; nos absorve a cada novo caso que é contado, de modo que eu, estando na platéia, me senti um pouco engolida pelo filme. Sim, é como se tudo que foi dito sobre Jorge Riosse, homem complexo que viveu por oito anos na abastecida casa, me tomasse dizendo o quanto o humano é por demais fascinante. "Humano, demasiadamente humano", escreveu um dia Nietzsche, e eu ali, naquela cadeira do teatro, acessando o humano por meio do cinema. Voltarei a ler Nietzsche? Talvez.

Jorge, sob o olhar da avó de Yulene, era um cara afetuoso, criativo, que aprendeu sozinho a pintar, tocar violão, falar e escrever inglês e francês. Sem dúvidas, Jorge era uma criatura marcante, e, focada em suas estranhezas, a película se desenrola na perspectiva de anunciar o quão intrigante era o seu mundo, até revelá-lo como um assassino de mulheres, sendo inclusive bastante procurado pela polícia mexicana. As cenas se sequenciavam em minha frente, e eu ia deixando que a narrativa sobre a vida do misterioso Jorge me contasse mais sobre o humano, sobre o modo de ser num mundo em que nada está dado.

Nessa minha entrega para o que a película expõe, percebi a fantástica forma como Rosa, que é uma das pessoas que mais falam sobre Jorge na tela, se refere à relação que manteve com ele. Ela diz: "ninguém entenderia a relação que nós tínhamos". E eu pensei: como existem tantas relações que não se explicam, meu Deus! Conheço algumas, a saber: a da mãe que ama o filho, mas este a ignora, a do meu pai consigo mesmo, que se veste de bom e de mau ao mesmo tempo, a do homem que se fixa na neurose da mulher, e tantas outras.

A exibição foi seguindo, obedecendo seu fluxo até despejar em meu colo mais frases fortes. Num dado momento, chega aos meus ouvidos: "Aprendi a admirar nas pessoas exatamente o que eu não tenho", declara Rosa. E como ontem foi um dia em que de frases eu estava me abastecendo, quando me dei conta, vi meu arquivo pessoal acumulando mais uma pérola, esta de autoria do próprio Jorge: "Quando se ama, não se pensa; quando se pensa, não se ama; quando se pensa depois que se ama, entende-se porque amou, e quando se ama depois que se pensa, ama-se melhor".

Meu corpo e os verbos

Sinto fome. Meu estômago pede algum alimento que eu ainda não providenciei. Seguidas vezes me acontece de não saber como emprestar meu corpo para certos verbos. Hoje, é o verbo "alimentar", mas também já houve outros. Para citar alguns: recuar, crescer, fazer, desfazer, negar, afirmar, correr, gerar. Ainda não encontrei a cartilha que faz a recomendação acertada para a conjugação verbal por parte do corpo. Aliás, nem sei se quero encontrar, pois gosto de alguns desassossegos que alcanço movida pelo meu não-saber-manejar-o corpo, frente aos verbos que a língua portuguesa oferece. Esse gostar se explica por que, por não saber fazer o uso perfeito de alguns verbos, descubro meus limites, minhas desconfianças, cruzo com meus mistérios em cima da minha própria pele. Relembro um período, escapo de outro, acesso segredos sem respostas. Vago na beleza de me saber um corpo que busca correspondência com a palavra. E isso é maravilhosamente saboroso.

27 de julho de 2009

Curtinha

Não quero escorregar no sono, mas ele me vence. Eu não escapo. Adoraria precisar dormir menos.

Captação possível

Não sei quantas vezes a cidade de Feira de Santana, onde eu nasci, foi olhada por mim a partir de um dos seus pontos altos. Ontem, me peguei pensando nisso porque estive em Feira para resolver coisas do mundo de gente adulta e, em prol das resoluções, entrei num prédio que não lembro se já havia estado antes, ainda que seja um tradicional edifício da cidade. Fui à sua sacada e avistei então a cercania feirense, a partir de uma perspectiva que não me foi comum, quando vivi em uma das suas casas, situada numa das suas ruas. Vi o céu mais perto de mim, observei os telhados, as antenas de tevê, a extremidade das construções. Foi, então, que me chegou uma crença que eu ainda não sei falar muito bem sobre, mas já anuncio: desde ontem, às 14h, passei a acreditar que precisa ser obrigatório olhar "das alturas" a cidade onde nascemos. É que fará bem à nossa formação acessarmos de modo expandido o local que nos instala na vida. Talvez esteja aí a chave para aprendermos a olhar o mundo, com olhos arregalados.

Ritmada pelo estudo

Ando sumida. A vida ritmada pelos estudos e eu nem sei mais o que fazer com essa falta de tempo que quase me atormenta. A poesia me visita, mas nem sempre pode ficar. Coitada de mim, que fico menos versada, menos bagunçada. Mas, neste momento, não dá para ser diferente. Sim, gosto da bagunça que a poesia me causa e eu sei que ela está em tudo que faço. Mas, nos últimos dias ela tem disputado espaço com um sisudo texto sociológico que insiste em me fazer compreender o que significa termos um corpo que carrega história. Demais tudo que tem me aparecido na leitura de uns tais autores que versam sobre a relação entre determinismo e liberdade, com a intenção de problematizar como se tece o princípio de uma ação, e isso sugere perguntas como: por que agimos assim e não assado? Por que usamos um tipo de roupa e não outra? Pois é, estou tomada pelas letras de um estudioso que se lança no conhecimento e nos convida a deixar o pensamento se irrigar com inquietudes.

22 de julho de 2009

Poesia bem pertinho

A Fundação Casa de Jorge Amado, no próximo dia 31 (sexta-feira), vai abrigar os dizedores e as dizedoras de versos da Escola Lucinda de Poesia Viva, que tem a poeta Elisa Lucinda como estrela criadora. Faço parte da escola, e toda a última sexta-feira do mês, nós, participantes da escola, realizamos um recital na Fundação Casa de Jorge Amado, no Pelourinho. Este, que já está bem pertinho de acontecer, chama-se "Canto quase gregoriano", e é uma reunião de pérolas de poetas baianos que escolhemos com muito carinho para saudarmos a Bahia, ainda no ritmo dos festejos de 2 de Julho. Estamos cuidando de cada versinho para fazermos uma noite bonita e encantadora. Será maravilhoso compartilhar deste momento tão especial com vocês. Apareçam e se lancem no que a poesia tem a realizar conosco.

Noite que chega

Os dias desaparecem como vento que sai de balão de aniversário em mão de criança curiosa, que gosta de encher e desencher o balão, somente para rir da rapidez com que algumas coisas mudam de formato. As minhas horas se transformam em segundos numa velocidade que eu não acompanho. Elas somem e nem sempre cumpro o que combino com meu calendário pessoal.

21 de julho de 2009

Óleo

O óleo perfuma sua pele. Meu nariz se diverte com o cheiro mais apurado da Amazônia que, após o banho, passou a lhe revestir. Somada a seu suor, a fragrância poderá me fazer alcançar o aroma da terra masculina. Silenciosamente, vou me desligar do imediatismo no qual estou agora, colocarei substância nova nos pés e adentrarei o que é delicioso.

Alfinete

Alfinetei o ar, e nada explodiu.
Que bom!

Acordei

Acordei tendo um blog meu. Lavei o cabelo, mas não ritualizei nada. A fome está diferente da de ontem. Aguardo meu namorado para o café da manhã, e ele está em contato com o atraso que o trânsito causa. Por isso, vou atrasar o relógio da cozinha para colher o sol que brilhou mais cedinho. Escuto Chico Buarque, e tenho uma pilha de textos para ler. Vivo desse jeito, tendo o que fazer, mas sem tempo para tudo que me ocorre. Ai, lá vem eu falando novamente de tempo. Vou parar. Apareci somente para falar da minha primeira manhã sendo autora de blog. Ui, noto que ainda não houve muitas distinções em relação as que eu tinha quando não era.

20 de julho de 2009

Começo

A mala não parece pesada, nem mesmo receio que um dia pese. Simplesmente deixo muita coisa entrar em minha bagagem. Até aqui fiz assim. Talvez porque sai de dentro de uma mulher que confia em todo mundo e carrega coração ritmado para o bem. O homem que a fecundou, para que eu nascesse, peitou por muitos anos a estrada. Era caminhoneiro quando se tornou meu pai. Então, ao ser filha de mulher de alma reluzente e de homem que teve as viagens como companheiras, resta-me ser dada ao que a vida se propõe a fazer comigo. É madrugada, e de repente voltei ao começo de mim. Por que será? Talvez porque seja minha primeira aparição em terra virtual como portadora de um espaço. E será que estarei colocando mais um útero na internet? Ainda não sei, mas sei que carrego útero que espera gente, depois de tanto se dar para a gestação de palavras. Escrevo tudo isso para dizer que estou começando, hoje, dia 21 de julho de 2009, a inserir-me em um lugar para o qual já fui muitas vezes convidada. Refiro-me ao universo dos blogs, onde acredito que serei acolhida com lírios. Não sei se é tarde para dar início a este pertencimento, até porque não me interessa avaliar o que é cedo ou tarde nesta vida. Persisto na crença de que tudo vem no tempo devido, assim como as safras que brotam da terra, depois que calmamente é fertilizada pelas mãos dos agricultores e das agricultoras. Ando perturbada com a forma como eu uso o tempo, por isso, recorro às imagens onde o relógio respira de um jeito particular, pois sabe que ciclos existem e são maiores do que ele. Estou querendo me acertar com o Senhor, Senhor tempo. Ajude-me. Sou corpo onde o atestado de vossa passagem não precisa fazer cerimônia. Entreguei-me por inteiro à conversa da pele com Vossa Excelência.