30 de julho de 2009

Intimidade de Shakespeare e Victor Hugo

Ontem, assisti ao filme "Intimidade de Shakespeare e Victor Hugo", de Yulene Olaizola. Trata-se de uma produção mexicana que se movimenta em torno da casa de hóspedes de Rosa, avó de Yulene. Vemos uma casa que respira histórias, esbanja acontecimentos e se mostra rica em tudo que a compõe. Suas paredes, seus objetos, seus moradores e moradoras são portadores de mensagens altamente significativas. É como se o mundo ali dentro engolisse o mundo de fora, fosse maior que a própria Cidade do México, onde está situada a explorada casa, exatamente na esquina das ruas Shakespeare e Victor Hugo.

O conteúdo da casa é abundante, e inunda; nos absorve a cada novo caso que é contado, de modo que eu, estando na platéia, me senti um pouco engolida pelo filme. Sim, é como se tudo que foi dito sobre Jorge Riosse, homem complexo que viveu por oito anos na abastecida casa, me tomasse dizendo o quanto o humano é por demais fascinante. "Humano, demasiadamente humano", escreveu um dia Nietzsche, e eu ali, naquela cadeira do teatro, acessando o humano por meio do cinema. Voltarei a ler Nietzsche? Talvez.

Jorge, sob o olhar da avó de Yulene, era um cara afetuoso, criativo, que aprendeu sozinho a pintar, tocar violão, falar e escrever inglês e francês. Sem dúvidas, Jorge era uma criatura marcante, e, focada em suas estranhezas, a película se desenrola na perspectiva de anunciar o quão intrigante era o seu mundo, até revelá-lo como um assassino de mulheres, sendo inclusive bastante procurado pela polícia mexicana. As cenas se sequenciavam em minha frente, e eu ia deixando que a narrativa sobre a vida do misterioso Jorge me contasse mais sobre o humano, sobre o modo de ser num mundo em que nada está dado.

Nessa minha entrega para o que a película expõe, percebi a fantástica forma como Rosa, que é uma das pessoas que mais falam sobre Jorge na tela, se refere à relação que manteve com ele. Ela diz: "ninguém entenderia a relação que nós tínhamos". E eu pensei: como existem tantas relações que não se explicam, meu Deus! Conheço algumas, a saber: a da mãe que ama o filho, mas este a ignora, a do meu pai consigo mesmo, que se veste de bom e de mau ao mesmo tempo, a do homem que se fixa na neurose da mulher, e tantas outras.

A exibição foi seguindo, obedecendo seu fluxo até despejar em meu colo mais frases fortes. Num dado momento, chega aos meus ouvidos: "Aprendi a admirar nas pessoas exatamente o que eu não tenho", declara Rosa. E como ontem foi um dia em que de frases eu estava me abastecendo, quando me dei conta, vi meu arquivo pessoal acumulando mais uma pérola, esta de autoria do próprio Jorge: "Quando se ama, não se pensa; quando se pensa, não se ama; quando se pensa depois que se ama, entende-se porque amou, e quando se ama depois que se pensa, ama-se melhor".

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