29 de dezembro de 2010

Simples assim

Que o gesto de estender a mão para o outro seja nossa forma de estar no mundo, em 2011.
Um beijo no coração de cada ser,
Sarah

11 de novembro de 2010

Gosto de gambiarras















Mais de dois meses sem um aparecimento meu nesta parte de mim. Durante este tempo de sumiço, silêncio e recuo; durante este meu estado de ser de mim para mim, em virtude das urgências da lida, claro que houve emoções, vibrações, vontades, acontecimentos, descobertas, ganhos, perdas, entregas, sonhos, ilusões, aprendizados, críticas, providências e a novidade das novidades: elegemos a primeira presidentA do Brasil. Eita coisa boa...

Logo, há muito a ser dito, sentido, apontado, mas não posso me render a este ofício bom agora. Os objetivos da caminhada me avisam que necessito correr atrás de um monte de coisas e somente mais pra frente terei a condução dos dias disponível para a escrita. Contudo, para não ficar mais um mês sem rastros meus por aqui, dou as caras, trazendo as luzes de uma cidade que tem me encantado: Cachoeira. Algo que percebi ao longo deste tempo sem despejar palavras no blog é que curto muito gambiarras. Elas me comunicam festa.

9 de setembro de 2010

Preciosidades da Chapada Diamantina





Temperatura gelada penetrando as cores, comida chegando com sabor ao estômago, céu sem nuvem, fartura de flores belas, agitadas, silenciosas; conversa boa em cada esquina, pão artesanal, olhar atento, lindas criações expostas para quem procura sutilezas; dia despertado pela amplitude da luz, café da manhã caprichado, praças com jardim, crianças contentes, instrumentos musicais; uma farmácia ao alcance, e somente mais outra; dicas precisas, natureza no comando, sol se despedindo no morro grande; um jornal quase centenário a nos impressionar, cachoeiras com nomes curiosos, biblioteca com letras grandes, o guia que tudo sabe, pássaros lindíssimos, raros; Dona Maria e sua sabedoria, o marmelo que brota na terra difícil, porções da Itália; uma história sobre filhos dentro de uma antiga história de amor, caminhadas, acesso à ancestralidade, árvore sem folhas: preciosidades daquele lugarejo chamado Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina, que, no mundo, diz que Deus existe.

19 de agosto de 2010

Cenas da Irmandade da Boa Morte










































Escrevi o artigo "Fotógrafos e cinegrafistas na Festa da Irmandade da Boa Morte" e está publicado no site da Omi-dùdú, ONG sediada em Salvador e que valoriza a estética como orientadora do cotidiano. Para ler, acesse http://nucleoomidudu.org.br/
Estive por três dias em Cachoeira, no Recôncavo baiano, e meu par de olhos viu de perto a força das mulheres da Irmandade da Boa Morte, confraria religiosa, guardiã dos elos entre a África e o culto católico, e que ultrapassa os 200 anos de vida. Linda festa! Linda forma de cumprimentar a memória!

12 de agosto de 2010

Sou parte de uma história de amor

Minha amiga está apaixonada, se vendo em começo de amor, desabrochando o coração, aquecendo o corpo do outro, tendo seu corpo aquecido. Ela está estancando a dor das relações anteriores, retirando o nó do peito, sentindo vontade de ir além ao lado de quem ela pouco conhece, mas enxerga como parte da sua caminhada, como gente com quem, de repente, fará gente. Sensacional isso!

Ela me telefonou há pouco, feliz, com voz de quem colhe flor no jardim da praça e assim aje, sendo dona de um gesto que será guardado para sempre em sua memória. Falar com ela, hoje, me encheu de satisfação e me fez lembrar de quando encontrei o meu amor. Foi numa festa, no quintal de uma linda casa, no barroco bairro do Santo Antônio. O próprio nome do lugar já sugeria encontro, continuidade, arranjo sentimental.

Ao ouvir minha amiga e acolher seu riso de plenitude, me vi tendo o que lhe dizer, me enxerguei sendo parte de uma história de amor, me peguei, valendo da minha experiência de amar e ser amada, para recomendar que ela se delicie com tudo que agora lhe chegar, e que seja leve, calma e acredite que é merecedora do que o mundo está lhe dando. Portanto, braços abertos, quentes, aconchegantes, para receber, para receber.

Sugeri que se perceba usufruindo da arte do encontro, e como encontros de verdade são raros nesta vida, que se dê conta disso, que se embale com o beijo, cujo desenho só surge quando elos bonitos se fazem; que valorize todos os pedacinhos do dia: cada ligação, torpedo, recado no celular, e-mail enfeitado; derreta-se com a mensagem na beira da cama, enlouqueça com o olhar profundo trocado na mesa de bar, se entregue às mãos que tocam as pernas numa sessão de cinema e que, acima de tudo, saiba que o amor não está pronto, ele se faz a todo momento, a todo instante, caminhando e cantando, vulnerável, sim, a tudo que lhe cerca, e, por isso, se comporta como um permanente solicitante de cuidado, reformulação, carinho, energia, adubo, oxigênio.

Necessário se faz que amemos, sabendo-nos dentro de um amor real, portanto, com toques de contradição, armadilhas, sonhos, sinais belos, vontade própria, desconexões, conexões, pontos que não se comunicam, gestos que não se aproximam, diálogo, concordâncias, serenatas, delícias; um amor, que por estar vivo, se revela querendo crescer e contagiar tantos outros corações.

11 de agosto de 2010

Faço-me

Sensações me convocam para que eu pense minha caminhada. Estou bem, mas ainda persiste a reflexão sobre o que dentro de mim é revirado, quando estou diante dos perturbadores momentos da lida. Poderia ter escrito crônicas nestes últimos dias, mas preferi guardá-las. Ando sendo o meu próprio segredo.

3 de agosto de 2010

Porque ela soube criar com muito amor

*Texto que escrevi para ler na missa de Sétimo Dia da minha avó

Participar da partida de vó Edite em direção ao plano espiritual, onde só há presença divina e sentimentos ligados à alma, é revisar a nossa própria vida; eu, por exemplo, me dei conta de que ainda que eu queira, eu não vou dar ao mundo o que minha avó ofereceu: cinco filhos, quatro filhas, 13 netos, 15 netas, seis bisnetos e sete bisnetas.

Sim, ao mundo vó entregou uma família grande, bonita, forte; uma família tecida com numerosos encontros, aninhada com muita luz e repleta de amor; uma família voltada a diversos anseios e que é povoada por diferentes profissionais: há comerciantes, jornalista, administradoras, enfermeira, farmacêutica, engenheira, professoras, donas de casa, comerciária e muito mais. Uma família dada a uma saborosa farra, daquelas farras animadas com piadas, cerveja gelada, comida gostosa e riso solto, e que nem todos têm a oportunidade de conhecer e de conviver.

Mas aqueles que têm - e nós, graças a Deus, a vô Maurício e a vó Edite, temos - sabem o quão valioso é viver rodeado de muita gente, o quanto é enriquecedor acessarmos um grau de comunhão que só se experimenta quando se é parte de uma família imensa, pois partilhamos de um calor humano único, um calor que só sentimos quando temos o presente de termos tantos tios, tias, primos, primas, um calor que só tocamos quando gozamos da emoção de estarmos no mundo, cercados de um significativo número de pessoas com as quais compartilhamos o mesmíssimo sangue.

Viver deste modo, ou seja, em multidão familiar é ter o irrepetível prazer de dançarmos juntos uma ciranda encantadora, olharmos um no outro e nos reconhecermos próximos, irmanados, gente da mesma linhagem, ainda que tenhamos - e que bom que temos entre nós - infinitas diferenças.

Então, a oferta de vó e de vô para o mundo é de um tamanho que, por mais que eu caminhe, que eu estude, que eu rode e pilote o barco em busca de uma história de extensão familiar parecida, eu não vou poder escrever, fazer, emoldurar. Afinal, este sagrado direito de ser avó de muita gente, de reunir amor vindo de tantas diferentes fontes nem eu e nem nenhuma mulher da minha geração temos condição de alcançar.

E é lindo nos darmos conta da vasta história de vida de Edite, meus queridos primos e primas, mainha e queridos tios Carlinhos, Zelito, Lucinha, Marivaldo, Marinalva, Orlando, Licinho e Rita, tios e tias que são meus tios e minhas tias porque meu avô e minha avó me deram, e saibam que ao abraçar cada um de vocês na última quinta-feira eu me dizia: este homem é meu tio porque minha avó e meu avô me deram como tio; esta mulher é minha tia porque meus avós me deram como tia, esta mulher é minha mãe porque é filha da mãe dela.

Fantástico notar o que uma avó e um avô fazem na vida de alguém. Eles nos apresentam uma família, para além dos nossos pais e dos nossos irmãos. Mas, aos netos vó não só deu tios e tias, aos filhos vó não deu somente irmãos e irmãs, aos sobrinhos ela não deu apenas primos e primas; ela ofereceu muito mais, foi mais adiante, visto que sempre nos alertou para a necessidade da existência do amor entre os que fazem parte de um mesmo ninho familiar. Afinal, sabemos: vó cultivou um modo de vida em que, a todo tempo, zelava pelo afeto entre todos nós. Ela soube, como ninguém, transmitir o recado de que se há beleza no mundo, esta mora numa família unida.

E, hoje, nesta noite em que celebramos o seu nome, quero lembrar o quanto vó Edite foi uma mulher inteira, forte, viva, capaz, independente, autônoma. Dona de uma majestosa força feminina, vó, ao longo dos seus 87 anos de vida, fez do exercício da maternidade, da costura, da culinária, das viagens e da vida em família e com Deus as suas principais referências, as suas mais valiosas ocupações.

Conviver com vó Edite foi acima de tudo uma experiência de alegria, pois até seus reclames, comuns a qualquer ser humano que lida com as adversidades do cotidiano, nos permitiam extrair risos, tirarmos uma graça, sugeriam uma imitação divertida de ser feita, sem que ela visse, claro. Afinal, só para citar certo detalhe do seu comportamento, na boca de vó as palavras ganhavam tom exclusivo, jeito próprio, pois somente vó chamava Débora, sua neta mais velha, de "Debra", somente ela dizia um "Maurííício" mais bem pronunciado, um "Marinaaalva" mais comprido.

Dar uma cara à sua forma de estar no mundo talvez tenha sido um dos maiores poderes de vó, e este seu poder de marcar a existência foi amplamente confirmado em sua partida, pois teve casa cheia, rua praticamente interditada, sol bonito, um cair da tarde com luz poética e recebeu um punhado de depoimentos emocionantes. Destaco o da sua sobrinha Lola, que afetuosamente lhe olhando, disse: "o endereço da tia Edite todo mundo sabia, Rua da Liberdade, n° 85, uma casa alegre, onde todo mundo queria estar".

Sim, Lola tem razão, a casa de vó é daquelas casas quentes, animadas, barulhentas e que estão ficando cada vez mais raras, visto que a vida veloz dos dias corridos tem contribuído para a redução da quantidade de encontros entre as pessoas e escasseado o rito de preparação da mesa para a família, junta, se alimentar .

Mas, a mesa de vó, não, a mesa de vó parecia imune aos avanços tecnológicos, à correria da vida agitada. A mesa de vó, em datas festivas, estava lá... com sua toalha bonita, comida farta e feita com total carinho, vô sentado na cabeceira, tio se espalhando, gente chegando, primo rindo e a festa rolando. Ali, na mesa da copa daquela casa, que ao longo do tempo, mudou de porta, de janela, de cor, mas não perdeu a essência da reunião, estava, nos dias mais importantes do calendário, como no Dia das mães, Dia dos pais, Semana Santa, garantida a nossa celebração.

E ali naquele ninho caloroso, com vó e vô, nós, da família Oliveira, aprendemos a fazer folia, aprendemos o sentido de família, e mais: aprendemos a pedir a bença, beijando a mão direita de um senhor, cheio de graça, e de uma senhora, dona de um olhar inconfundível. Ali, deliciosamente comendo, aos domingos, vatapá com macarrão, galinha cozida e outros quitutes de sabor inigualável, aprendemos a ser, aprendemos a caminhar, pois, atrás dos óculos daquela mulher de corpo esguio, invariavelmente, coberto com vestidos estampados; aquela mulher de cabelos penteados para trás e ajeitados com simples grampos, e tendo nos pés chinelos com tiras cruzadas na cor preta ou marrom, o que se via, o que se sentia era um profundo pedido de amor.

De dentro de vó ecoava a solicitação para que o afeto nos preenchesse, a compaixão nos alimentasse. Vó espalhava o pedido de união, de harmonia. Ela queria todos a seu redor, emanando seu carinho, manifestando sua amizade. E com vó aprendemos mais, aprendemos a ter disposição para a vida e a espantarmos a preguiça, verdade que ela muito bem lançou em sua última missa de aniversário, quando o padre Edinelson, da comunidade Cristo Redentor, onde moram suas filhas Lurdinha e Lucinha, lhe perguntou qual era o segredo da jovialidade. Diante da indagação, ela prontamente disse que era asseada e fazia tudo em sua casa.

Bonito ver vó dona de si e tão bonito é, que a vida, sábia por demais neste mundo de meu Deus, providenciou sua ida sem sofrimento prolongado e com um senso de independência e autonomia, que empresta à sua partida uma coerência com a sua trajetória de vida. E que rito de passagem vó teve! Tão intenso e tão singular que aquela quinta-feira está escrita na história do bairro Sobradinho. Havia gente de toda parte: irmã, filhos, filhas, netos, netas, bisnetos, bisnetas, sobrinhos, sobrinhas, genros, noras, irmãos de genro, mãe de nora, pais do marido da neta, professoras da escola da irmã e muito mais.

Havia gente de cabelo branco, criança, bebê; havia gente fardada com a blusa da Farmácia Silva, gente com as vestes da Universal Móveis, gente com o fardamento de outras lojas do comércio de Feira de Santana, e estas pessoas, ao fazerem parte do rito de passagem de vó na mesma hora em que costumam cumprir o expediente de trabalho, sinalizaram que elas, à medida que receberam a notícia - anunciada na voz de Tanúrio Brito, radialista conhecido da cidade, que comunicou a partida de vó citando o nome de todos os seus nove filhos - foram deixando seus postos, esquecendo suas obrigações e se dirigindo à tão formidável casa n° 85, na Rua da Liberdade, no bairro Sobradinho, para darem o seu último abraço, deixarem a sua flor, esquentarem o coração com a força que vó sempre transmitiu para os que lhe conheceram. E ela teve a vizinhança toda presente, dizendo o quanto foi bom morar pertinho da sua casa, estando bem perto dela as amigas Germânia, Noélia, Tia Menininha e Mariá, com quem vó papeou em sua caminhada. Como é bom ter amigas!

Quem conviveu com Edite teve o prazer de usufruir da companhia de uma mulher, que nunca se deixou ser tomada pela tristeza irremediável. Não, nela não havia espaço para a melancolia, para o desespero, o negócio era curtir a praia de Cabuçu, viajar com as amigas da universidade da terceira idade, passar uns dias na casa de um filho, usar o tempo de modo bom. Sim, sabemos que tivemos uma mãe, uma tia, uma vizinha, uma irmã, uma avó de personalidade, uma avó que, carinhosamente, escreveu seu nome em lindíssimas roupas para os seus amados e suas amadas. Eu mesma ouvi diversas vezes as pessoas comentarem que minhas roupas eram muito alinhadas, ao que eu respondia, com muito orgulho: "foi minha vó quem fez".

E se hoje conheço o significado da palavra aviamento, quem me ensinou? Vó Edite. Se sei que existe um tipo de saia que é a saia evasê, quem me ensinou? Vó Edite, através do seu elo com o mundo das linhas e das agulhas, de modo que não dá para eu me esquecer da sua máquina, do seu dedal protegendo a sua mão na hora de colocar a linha na agulha, da sua tesoura cortando os tecidos, cuja metragem pedida por ela era sempre movida por uma preocupação econômica; aí suas filhas corriam na Tecidos Feirense e pediam exatamente o tamanho que ela sugeria.

Alinhavando aqui, medindo a prova ali, lá ia vó conduzindo suas horas, regando seu coração, cozinhando, iluminando a nossa vida, vendo televisão, limpando a casa, falando ao telefone com seus filhos, balançando-se em sua cadeira. E assim, sendo tão única, eis que vó escreveu seu nome em roupas belíssimas, escreveu seu nome no sabor exclusivo do seu feijão, na delícia perfeita do seu doce de leite, que não há igual neste planeta; deixou sua assinatura em maravilhosos e afermentados bolos, cujo modo de fazer foi aprendido pelas suas filhas, e vale dizer que o gosto gostoso dos seus bolos não ficou restrito a seus familiares, visto que alguns dos seus filhos já os comercializaram em bares da cidade.

Sem dúvida, são muitas as imagens e os sentimentos em torno de vó e que, com amor, vão ficar guardados em nossa memória... é a imagem do bolo em cima da geladeira, são os copos de alumínio onde bebíamos água, a sua roupa atrás da porta do banheiro, a sua casa sempre limpa, ou melhor, asseada, como ela preferia dizer, são os almoços plenos de alegria em sua casa e muito mais.

E quem muitas realizações fez neste mundo, minha gente, merece descansar ao lado do Pai, sabendo que os seus entes queridos aqui prosseguirão suas vidas, e prosseguirão certos de que tiveram uma mãe, uma avó, uma tia, uma irmã, uma vizinha, que fez da vida um exercício de amor, sobretudo, o amor que se revela no árduo e prazeroso ato de criar pessoas, pois sabemos o quanto vó foi presente na criação dos seus filhos e de alguns dos seus netos, de maneira que ela cumpriu este ofício até os seus últimos dias de vida, pois, no alto dos seus 87 anos, Kleber, Orlancley e Gustavo, três dos seus muitos netos vinham recebendo mais de perto os seus mimos.

Com certeza, esta foi a forma mais firme de vó existir, ou seja, dando-se ao ato de criar, de educar o outro, sendo avó e sendo mãe, sempre, sempre, sempre.

Vó, nós te amamos.

26 de julho de 2010

Escape

Gosto da minha letra em caneta azul dormindo nos papéis que ultimamente tomam conta da sala de casa. Para muitos cantos que olho vejo minha caligrafia servindo ao pensamento. Em volta de mim: telefone fora do seu lugar, chão varrido pelas mãos de quem cuida, luminária comprada sob a luz do meio da tarde; pratos na cozinha, comida, referências. Ainda hoje preciso ir mais longe, redigir novas páginas, encontrar encaixes entre os trechos dos livros dos vários autores que li. A vida de mulher que pesquisa movimento social tem forma e eu ainda não sei se caibo dentro dela. Por isso, há dias em que escapo para sentir outras necessidades.

19 de julho de 2010

O mundo e eu

Sei que o mundo é muito maior do que eu, por isso, caminho grande para alcançar seu íntimo. E, embora ciente de que a mim só chegam pedaços da sua imensidão, tenho buscado transformá-los no palco onde eu, inteira, ofereço quem eu sou: cabeça, braço, perna, bunda, buceta, seios, palavras, imagens, poemas, pensamentos, questões, delírios, negações, afirmações, gritos, exageros, defeitos, qualidades, pedidos, milagres. Ufa, sou intensa. Nada escondo, tudo mostro, tudo revelo.

Exijo-me ser plena no ato de existir, mesmo tendo a noção de que a totalidade que eu toco são recortes de mundo, fragmentos do gigante lugar onde vivemos. Mas, com um pouco de chuva aqui, um tanto de areia ali, sigo construindo castelos no meio da multidão; coloco amor como liga em cada um deles e os enfeito com luzes. Sonho, desejo, cruzo os dedos, chamo o sol, convido o bom tempo, respiro e peço a Deus que a construção não desmorone. Meu Pai, me ajude neste mundo tão cheio de caminhos!

17 de julho de 2010

Sala da casa naquela cidade


Na casa onde se fica
para esperar a procissão sair,
sala e quarto são um só.

Cama e sofá se confundem,
e, à noite, quando
o sono se encontra
com a conversa do dia,
os sonhos dos que ali vivem
são palavras se procurando.

11 de julho de 2010

A cor das casas







Ali perto, onde meninos
conversam à beira da fogueira,
o marrom do chão come
o rodapé das paredes.

Como fica a cor das casas?

Some, não.
O povo não deixa.

10 de julho de 2010

Breve relato do hoje

Difícil saber o que falar, quando as sensações se embaralham na cauda da novidade e nos deixam como adivinhadores do que está acontecendo no mundo do outro. Esta é a frase que descreve como estou agora, mas, para não ficar na imprecisão das emoções, comunico, também, que hoje carreguei sacolas de uma casa para outra, lavei o cabelo, quase perdi a voz, comprei bolo de chocolate e preparei o café, dando-me conta do quanto eu quero ajustar o pensamento que insiste em mostrar-se inquieto.

6 de julho de 2010

Cor-de-rosa e carvão


É cor-de-rosa e carvão
mulher, que no interior de Sergipe,
insiste em abrir porta.

E elas, que se sabem assim,
vestem saia estampada
para a costura de uma vida com babados.

30 de junho de 2010

Sou gente

Ando prestando atenção nas cores de junho, digerindo incertezas, apurando o escândalo, fazendo releituras: sou gente, nada me diz o contrário.

Pego-me botando tempero na panela, recheando verdura, limpando pia, lavando louça.

Uma delícia descascar aquela abóbora, hoje! Sentir nela a terra que lhe deixa ser. Apanhar sua textura como se habitada de mim, ela, tão saborosa que é, estivesse.

De mãos dadas com a memória, dou-me ao rasgo do vazio que não me soluciona, brinco de esquecer que sofri, domestifico meu instinto, ressurjo fêmea e não escapo do que isso significa.

Sigo na direção do meu profundo. Procuro implodir todos os estabelecimentos duvidosos que me habitam, para existir expansivamente e não restringir a felicidade.

Sei que carrego olhos sem muralhas, e minha fervura esnoba as convenções.

Caminho sem regras pela casa, vago entre páginas de um livro e não me rendo ao pensamento sobre o futuro. Só peço a Deus que este me seja dado sem muita bagunça.

Interessa-me apenas conduzir-me ao melhor de mim, deixar de lado as dores sem razão, abondanar o preço que não preciso pagar para ser quem sou e, elegantemente, esbofetear a cara do desperdício.

Sou gente e nada me diz o contrário.

17 de junho de 2010

Continuidade

Sinais bonitos na cama e a bagunça do edredom com o lençol merece ser prolongada. Ah, tem hora que a vida pede reticências.

Lição

Ontem, estendendo panos de chão, tive dúvida quanto ao modo que deveriam ser distribuídos no varal: se dividindo o mesmo pegador, ou tendo cada um os seus. Escolhi uma das possibilidades e aprendi que o "não sei" também impulsiona decisões. Disse isso para o meu amor. Ele? Trouxe-me vários argumentos sobre a certeza.

14 de junho de 2010

Notícias

Assuntos da alma me chegam sob um toque de espera e se instalam no reduto interno que tudo capta, para, mais tarde, virarem palavra sobre superfície desconhecida; bem assim como se faz a vida, após tomarmos uma xícara de café, enquanto a manhã se espalha. Afinal, nem sempre sabemos como vamos ficar dali em diante, como será a continuidade do dia, como vai ser o atravessar daquela rua, mesmo sendo aquela rua a mesma rua de sempre; o que vai dizer o rosto do motorista de ônibus ou que gosto vai ter o beijo dado na nuca do amor.

É isso: um bom número de possibilidades em minha frente e eu à mercê do doutorado. Vejo-me recheada de sensações, mas pouco tenho escrito nesta ancoragem delicada onde gosto de estar. Nos últimos tempos, durmo e acordo sabendo que sou gente dada à feitura de um texto, que daqui a algumas semanas será apresentado para um time de professores. Eles hão de me dizer se minha pesquisa está no rumo certo, ou requer uma mudança de rota. Mas, estou bem sendo esta pessoa que, dedicada à leitura científica, se faz em mais uma versão de si. É bom se experimentar.

2 de junho de 2010

Combinação

Cheiro,
toque,
vontade,

beijo,
assédio,
fome,

livro esquecido,
horário abandonado

desrespeito,
riso,
fogueira;

tudo pode,
quando a seta
se anuncia.

31 de maio de 2010

Escrito para o dia 27 de maio

Meu coração, recheado de alegria d'alma, quer se juntar ao seu, hoje, para comemorarmos meus 33 anos de vida. Então, que tal um beijo, um aperto, um beliscão, rs... uma piscada de olho, um abraço forte em mim para celebrarmos o dia 27 de maio? Sim, estou tão bem: tenho novas sedes, tenho sedes antigas - sedes velhas saciadas, sedes velhas ampliadas - carrego ideias desconexas, ideias sem sentido, outras, com. Há fomes aquietadas, fomes começadas, sonhos sabidos, outros, desconhecidos. Estou viva! E é tão bom me ver crescendo, acreditando, indo para algum lugar, saindo de outro, pegando um bonde aqui, outro, acolá. Sim, é saudável cruzar o caminho da maturidade. Andei por muitas estradas e consegui ser mais do que eu já fui. Coloquei páginas bonitas na minha vida e me permiti me descamar a cada dia amanhecido, ao longo dos meus 32 anos, durante os quais me propus a aprender as seguintes coisas: fazer escolhas sem dor, não sofrer pelo não vivido, exercitar minha autonomia e respeitar meus limites. Caminhei, caminhei e posso dizer que estes são aprendizados não muito imediatos, de modo que é chegada a hora de me despedir da antiga idade, chamar para perto de mim os 33, tão gloriosos por ser a dita idade de Cristo, levar adiante os aprendizados que me apresentei ainda nos 32, chamar outros novos para me darem a mão, e fluir, fluir muito para não deixar de aproveitar cada pedacinho de tempo que disponho para ser. Que venha a inédita idade com os sabores que meu espírito precisa para ir mais profundo na atitude de experimentar o mundo, e aqui semear amor, carinho, solidariedade, entrega.

27 de maio de 2010

Hoje é meu aniversário

Muitas emoções me povoam. Deixo com vocês as lindas palavras que uma amiga-pessoa incrível me escreveu em seu blog, cujo endereço é http://www.verapassos.blogspot.com/ Amei cada letrinha saída do coração criativamente iluminado que ela tem.

23 de maio de 2010

Milimétrica

As ideias se contorcem atrás do móvel onde a poeira se faz firme esperando alguém que a retire dali. Empresto minhas mãos para a limpeza daquilo que encobre o que nasce para ser visto. A poeira se desfaz. Vibro com isso. Estou atenta ao lugar que minhas ideias têm insistido em escolher para se afugentarem. Afinal, não quero o vazio, não desejo a sensação de que nenhum novo pensamento tive, enquanto o mundo girou, nenhum novo desenho fiz ou pelo menos um sentimento não se chegou. Arremesso incertezas em minhas próprias costas e não deixo de querer funcionar, a partir do que eu acredito. A vida não se resume ao fim do mês, quando o salário entra na conta bancária. A vida não se resume àquela discussão sem pé nem cabeça que você teve antes de sair de casa. A vida é mesmo muito curta, milimétrica e se faz no miudinho do dia a dia, e eu não posso me esquecer disso.

11 de maio de 2010

Eu gosto

Há flores em cima da mesa da minha casa, e elas me confirmam os mimos da caminhada a dois.

29 de abril de 2010

Olhando para mim

Mãos intolerantes com o descompasso da semana,
uma necessidade de eliminar contratempos,
e a certeza de que, para algumas coisas,
não me cabe ofertar quem eu sou.

Quero o acerto como alvo,
e a liberdade para não investir naquilo que,
por não ter tom de gente,
não me rende o tipo de emoção que eu me ocupo em sentir.

Gosto do que me toca o peito.

15 de abril de 2010

Corresponsabilidade não assumida

Eu estava acompanhando a edição do Jornal Hoje de alguns dias atrás, no período em que as chuvas geraram profundos danos no Rio de Janeiro, quando a jornalista Sandra Annenberg, âncora do Jornal, após a exibição das imagens que demonstraram a dor das famílias cariocas que, irremediavelmente, perderam tudo: pessoas, casa, documentos e tudo mais que não há nomes para nomear, disse: "nós, jornalistas, somos treinados para cobrirmos tragédias". Não acreditei no que eu escutei e tive uma reação de repulsa a esta afirmativa. Sou jornalista. Estudei na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde tive professores e professoras de todos os tipos, mas nenhum me ensinou a cobrir tragédia, nem eu nunca achei que pudesse ser este um aprendizado a colher na graduação em Comunicação Social.

Não, Sandra Annenberg, nós, jornalistas, não somos treinados/as para cobrirmos tragédias. Se você aprendeu este equívoco na universidade, saiba que erraram, e muito, em sua formação. Mas, ainda que tenham lhe dito esta insanidade, você, no largo exercício da profissão, poderia ter investido no desmanche deste absurdo e construído uma percepção mais humanística do papel do/da jornalista na sociedade, que para ficar somente na acepção da professora Raquel Paiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), este/a seria - guardadas as devidas proporções - o que equivaleria ao narrador, narradora da sociedade, leitura que - eu sei - merece ponderações, uma vez que narrar a vida social é uma possibilidade que deve ser exercitada por qualquer cidadão/cidadã. Afinal, a Comunicação é um direito humano.

Mas, quando chama atenção para o lugar da narrativa sobre aquilo que pipoca na vida social, a professora Raquel Paiva alerta para o olhar que as notícias devem lançar sobre a realidade. Cabe ao jornalismo a observância daquilo que transcorre nos quatro cantos de uma cidade, no sentido de detectar as cenas urbanas que, se comunicadas, podem ser alvo de mudanças. Então, pergunto: por que a Rede Globo de Televisão, dispondo de significativas equipes de repórteres no Rio de Janeiro, não denunciou os riscos de desabamento no Morro do Bumba? Mesmo contando com helicópteros e outros equipamentos de observação da realidade, no estado que inclusive é a preferência da Globo para a gravação de novelas e outros produtos, a emissora não noticiou a grave situação do Morro, onde o lixo era o alicerce das casas, e assim não pressionou o poder público para que este tomasse a providência de realocar as famílias para um espaço onde houvesse dignidade e bem-estar social.

Após o desastre que retirou a vida de mais de 40 pessoas - as estimativas é que este número cresça, pois os bombeiros ainda não concluíram o trabalho de resgate dos corpos - a frase a ser dita não é: "somos treinados para cobrirmos tragédias". Não vou negar que o exercício do jornalismo cruza com situações trágicas no caminho, mas, no caso do Morro do Bumba, a tragédia poderia ter sido evitada; havia estudos acadêmicos feitos há um bom número de anos, e talvez, se o jornalismo realmente cumprisse seu papel de revelador da dinâmica da vida social e denunciasse aquela realidade, fazendo pressão ao poder público, outra cidade poderia existir, hoje.

6 de abril de 2010

Descolada

Estou me soltando da âncora que firma o passo no mesmo lugar. Por um preço que ainda não sei qual é, resolvi embarcar em novas maneiras de estar no mundo. Adoro poder ser quem eu ainda não fui. Sedenta estou. Curiosa também. Que venha a novidade que eu espero, e eu alcance o resultado que quero.

11 de março de 2010

Em crescimento




































Era eu na janela, vendo, escutando, sugando, e de tudo querendo pegar, lamber, sentir, e de tudo querendo cheirar, colher, conhecer. Era eu caminhando pelas calles, com ou sem pressa, com ou sem caneta nas mãos, e de tudo querendo colar na sola dos sapatos, pendurar nas orelhas, registrar na adorável memória, que tem lógica própria, dispõe de poder de decisão e sabe o que fazer com todas as experiências que lhe apresentamos. Era eu deslizando na pele das cidades, e de tudo querendo depositar no coração, trazer na bagagem, que ficou do tamanho que eu não sei dizer, mas eu segurei todinha, inteira, e sem reclamar. Uma grande-extensa-gigante bagagem, que ficou tão bonita! E com um sabor delicioso de vida. Tenho notado que eu nem sei como armazená-la. É sério, não adianta, já tentei, busquei como pude, mas não me chegam as medidas que eu necessito para registrar o que eu vivi ao longo de 55 dias dedicados ao desbravamento da América do Sul. Sim, vivemos um desbravar, através do nosso amado ônibus, que após nove dias de viagem entre Caracas e Salvador, apontou, hoje, em terras soteropolitanas. Ai, foi tão bom revê-lo! Olhei-o com carinho, cheguei pertinho, falei com Domício, um dos iluminados motoristas cujo filho aniversariou também ontem, e, para sua surpresa, seu bolinho foi repartido com a presença do pai querido. Viva! O sol estava forte, quando me encontrei com o nosso firme veículo e, passados os primeiros minutinhos de contemplação, entrei, andei em seu corredor e apanhei pertences meus que não vieram comigo, no último dia 03, quando fizemos de avião o percurso Caracas - São Paulo - Salvador. Desde a partida da Caravana, no dia 8 de janeiro, a proposta era termos uma atividade final em Brasília, o que implicava em irmos de ônibus da Venezuela para o estado de Roraima; de lá voaríamos para a capital brasileira, onde cumpriríamos alguns compromissos e pegaríamos outro avião para nossa querida Bahia. Ou seja, no planejamento da viagem já havia um trecho aéreo, mas este foi antecipado porque nossa programação em Brasília não aconteceu. As pessoas que nos receberiam nos ministérios não tinham espaço na agenda. Sendo assim, já em Caracas entramos no avião que nos trouxe para Salvador, enquanto o Inulatão seguia pelas estradas. Foi um dia inteiro dentro de dois aviões impessoais, se comparados ao nosso ônibus, companheiro de fé que se tornou nosso xodó: lindo, com as bandeiras dos países pintadas em sua casca; aconchegante, ágil e fiel, pois não nos deixou na mão em nenhum momento. Mas, eis que na volta para casa o abandonamos e nos rendemos à impessoalidade das aeronaves da TAM. Contudo, como estávamos em total pique de viagem boa, logo pusemos festa no ambiente, e o melhor foi notar que nossa festa se somou à linda recepção que tivemos no aeroporto. Foi uma delícia ver nossas famílias, amores e amigos nos aguardando. Chegamos envoltos em nossa blusa amarela, como se fôssemos a seleção brasileira de vôlei. Houve gritos, risos, aplausos. Carregamos a bandeira do povo indígena nas mãos, e assim espalhamos as suas cores para todos que nos esperavam. Agora, fecho os olhos, passo em revista alguns acontecimentos. Como é gratificante ver que, a partir de uma inesquecível viagem, eu somei muita energia, cavei o que eu ainda não sabia que havia no mundo, elasteci as dimensões do meu saber, mas constatei principalmente o gigante não-saber que me habita. E, de repente, quando me procurei, não tive dedos para imediatamente escrever, após meu desembarque em Salvador. Mas, cheguei e estou aqui, seguindo, sendo e crescendo mais latina.

2 de março de 2010

E renasce a América Latina



























Meu coração palpita, meus olhos me louvam por todos os lugares para aonde os levei; devolvo-lhes o agradecimento e juntos entramos num profundo ato de comunhão. Linda é nossa festa. Lindo é o que carrego em meu peito agora, agora que percorri nove países da América do Sul e me sinto mais latina. São muitas as palavras que eu preciso liberar, neste momento em que estou no aeroporto de volta para Salvador. Ontem, escrevi sobre isso, mas perdi o texto. A Caravana segue para casa. Há muito o que ser dito e logo mais eu reapareço. Sou pura vontade de partilhar os novos aprendizados. Preciso ir e deixo a Venezuela, mostrando o riso das crianças do Paraguai e da Bolívia.