4 de agosto de 2009

No ritmo do Dia dos Pais

E se meu pai não se chamasse Luís Antônio Carneiro? E se ele não fosse filho de Linézia e Ziquinha? E se como bisavô eu não tivesse o velho Martinho da Roça do Alto? E se naquela noite, quando eu ainda era a criança que corria na varanda da casa 803 da Rua Milão e chorava porque todos os meus lápis de cor estavam com pontas quebradas, justo na hora em que eu precisava pintar o desenho recomendado como dever de casa pela professora do Colégio "O Pequeno Príncipe", ele, o homem de fala forte, não chamasse minha atenção e me mandasse parar de espernear e exigir uma caixa nova, dizendo que somente ao acabar aquela caixa eu poderia ganhar uma nova, pois muitas outras crianças da minha idade não tinham nenhum lápis, quem dirás uma caixa inteira? E se todas as vezes que ele visse as filhas arrancarem folhas limpas do caderno para fazerem "besteiras", ele não se lembrasse dos que estão na roça e não têm um pedaço de papel sequer para fazerem suas contas e registrarem os números da colheita? E se quando ele sofreu um acidente de caminhão em Candeias e voltou, graças a Deus, salvo para casa e passou alguns dias recolhido se recuperando vestido em pijamas estranhos aos meus olhos, ele não tivesse me incentivado a fazer a primeira foto da minha vida? Uma foto dele sentado no sofá de casa. E se naquele ano em que viajamos para Ilha de Itaparica, ele não tivesse confiado no adorável Sátiro, amigo da minha mãe que com ela trabalhava na Farmácia Silva e por quem eu era apaixonada e que me carregou no colo para atravessar um fiapo d'água? E se todas as vezes que íamos para o Sesc, em Salvador, ainda quando a prole era somente Débora e eu, e as lindas Cau e Juli não nos rodeavam, ele não brincasse com a superfície da água do mar, em Piatã, e com as mãos improvisasse um lindo chafariz? E se quando eu fui para a cidade de Natal no Rio Grande do Norte para vender poemas, ele ao falar comigo ao telefone não dissesse docemente: "minha filha, a gente está te esperando, viu?" Se nada disso tivesse me acontecido, eu não sentiria meu sangue ferver todas às vezes que vejo um samba de roda rolando frenético em algum canto do mundo; eu não teria desenvolvido um gosto pelos ideais esquerdistas; eu não teria crescido ouvindo Luiz Gonzaga; eu não teria dado minha mão, ainda quando eu era uma criança que não sabia escrever, para minha mãe me ajudar a fazer dedicatória em disco de vinil do Rei do Baião, que era sempre nosso presente para meu pai, que particulamente adora escutar a canção "Asa Branca". Se meu pai não fosse meu pai, eu não teria manifestado um desejo tão forte para pesquisar cultura popular, eu não carregaria uma maluquice. Se eu não fosse filha de Luís e Lourdes, eu não seria Sarah Roberta de Oliveira Carneiro, uma menina-mulher que aposta na humanidade, que busca maximizar a existência e percorrer mundos. Eu não seria uma menina querendo crescer. E por isto, por eu ser quem sou e do jeito que sou, eu quero agradecer imensamente a Deus por ter me dado o pai que tenho. Agradeço por continuarmos juntos até aqui, mesmo com quedas, tropeços, deslizes, desencontros, discussões, mas estamos, somos, seguimos, acreditamos, conversamos. E que a vida nos ajude a nos explorar, a nos aproveitar, a nos conhecer cada vez mais, para sermos um pai e uma filha com histórias, muitas histórias para contar para meus futuros filhos, seus futuros netos.

3 comentários:

  1. Quase não consigo chegar ao final... É muita emoção. Minha pele viajou no tempo, e eu consegui visualisar cada momento, pois muitos deles eu vi de perto.
    Bjs

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  2. Belo texto! É o que sempre soube: vc tem uma grande capacidade de magnificar tudo, tudo mesmo! Antes de ser artista das letras vc o é dos sentimentos . Parabéns pelo blog, ele é um presente deliciosos. Bjos, Eta.

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  3. Que lindoo essa mensagem adorei!!
    Está de parabêns!!! muitoo lindo,maravilhoso,espetacular bjs
    Monique!!

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