27 de maio de 2011

Hoje, sou prazeirosamente a aniversariante

Doses de palavra

Beirando os 34 anos, que serão completados dia 27, aproveito o sol francês para colocar um decote. Alcanço-o, por meio de uma blusa lilás de alças, e me reencontro com o tamanho, a forma e o volume dos meus seios, esta parte do corpo da mulher que sinaliza emoções, ganhos, perdas, desejo, passagem do tempo, erotismo, força. Eu tenho peito e levo a vida de peito aberto.

Terça-feira (24.05)


Bem-vinda a semana do meu aniversário, viva! E, após homenagear meus seios, hoje é dia de fazer reverência às pernas. Elas que me permitem, numa parceria admirável com meus pés número 37 e que adoram se revestir de sapatos estilo boneca, as lindas andanças que realizo por este mundo. Amo-me em meu corpo, amo-me em cada pedacinho de mim, que forma este inteiro que sou. Obrigada pernas e pés por me fazerem transitar.

Quarta-feira (25.05)


Peitos enaltecidos, pernas reverenciadas, idade nova chegando; hoje, os aplausos vão para minha cabeça-alma-coração. Misturei estas partes em mim para que meu percurso de vida eu pudesse fazer bem assim como faço, ou seja, acreditando ser possível rimar razão e instinto, e eu, então, me compusesse como fonte e também como depósito, a dar e receber, a oferecer e a colher: sensações, palavras, fogo. Sou intensa.

Quinta-feira (26.05)


Homenagear meu corpo, agradecendo-lhe por tudo que ele permite, foi a maneira que encontrei para receber sobre a pele os 34 anos que chegam, amanhã. Trago novas declarações de amor e volto-me agora aos braços que me fazem abraçar o tátil, o concreto, mas que também me enlaçam com o abstrato. Aclamo as mãos, e digo: sou incondicionalmente apaixonada por vocês e viciada nas palavras que derramo, graças a vocês duas.

Hoje, sexta-feira (27.05)


Acordar, rezar, respirar o inédito e sair por aí. Maravilhoso ser Sarah nos arredores do mundo. Hoje, aniversario como quem canta uma nova música para a vida a cada nascer do sol. Obrigada, Deus, pelos presentes preciosos que recebo, graças a sua presença em minha caminhada. Que eu saiba, sempre, sempre, sempre, cuidar da sua participação na montagem da minha história.

26 de maio de 2011

Penso mais do que como

Ponho-me a escrever e minhas mãos correm para folhear a caderneta onde, sentada em algum lugar, caminhando pelas ruas ou mesmo em pé numa estação, deposito minhas impressões. Vejo-me a vasculhar as anotações, os cheiros apreendidos, os pedaços de cidade que, ao longo dos dias, vou apanhando e colecionando. Sinto vontade de guardar absolutamente tudo que manuseio. Sei lá, há horas em que penso em fazer um mural gigante com o que recolho, há outras em que desejo editar uma brochura, contendo os rastros deixados em mim pelas terras francesas.

Bom, mas qualquer que seja o resultado que as absorções que venho realizando durante esta experiência consigam gerar, seja um livro, um filme ou um álbum de fotografias bastante enfeitado, é verdade que tenho comigo guardanapos pegos nos mais diferentes cafés onde estive, etiquetas de coisas compradas, rótulos dos produtos adquiridos para a limpeza da casa, os ticketes utilizados no tram urbano que me leva aos locais, quando não utilizo a bicicleta (é assim mesmo que se escreve: "tram", pois ele se difere dos trens que se deslocam entre as cidades).

Há também em meu poder bilhetes usados no metrô parisiense, alguns rabiscos aleatórios que fiz provocada por uma cena que me atraiu, dicas de endereço que vão me dando, à medida que vou tendo necessidade de ir a algum lugar, isto é, um mercado, uma estação de rádio, uma loja ou uma associação; número do telefone de gente que conheci, dentre tantos outros recortes desta vida francesa, que vou tomando como minha.

Permaneço disposta a captar Strasbourg, querendo abraçá-la por completo. Todo amanhecer sou tomada por um turbilhão de curiosidade que prazeirozamente me atravessa e me pede um jeito meu frente aquilo que vier a chamar minha atenção. Outro dia, foi um dos restaurantes universitários, onde costumo comer, pagando, tanto para almoçar quanto para jantar, 3 euros [este valor eu pago, hoje, pois já sou aluna devidamente matriculada na Université de Strasbourg, mas antes de ter comigo a carteira de estudante, precisava desembolsar 4,50 euros]. O valor de 3 euros é descontado em minha carteirinha de estudante, a qual eu devo abastecer para ter o que descontar, claro.

Preciso dizer que a recarga da carteira, após eu entregar a uma senhora o valor que desejo colocar como saldo, é feita por mim em uma máquina. Isso mesmo, aqui há máquinas para tudo. E haja a palavra "validar" para se ter acesso ao serviço que elas garantem. É assim: você abastece a carteirinha de estudante numa máquina para ter recurso para usar nos restaurantes e nas cafeterias universitárias e, depois, valida; compra o bilhete do tram urbano e, em seguida, valida; coloca moedas na máquina de lavar roupas numa lavanderia, e valida; alimenta a máquina que oferece café, e valida; coloca o cartão de crédito na bomba de combustível, no posto de gasolina, e valida. E, se não validar, o bicho pega. Por exemplo, se você se esquecer de validar a passagem de tram e dentro do vagão você dê de cara com algum funcionário do controle, é complicação na certa.

Algumas funções, no velho mundo, já foram mesmo retiradas da dimensão humana e eu honestamente não desaprovo de todo, pois existem maneiras de produzir que eu sempre considerei reducionistas do "ser pessoa" que habita as pessoas, a exemplo da atividade que consiste em apertar botões dentro de um elevador para conduzir seus passageiros de um andar para outro. Ôps, mas aqui estou entrando num terreno por demais complexo, que dialoga com a Sociologia do trabalho e requer muitas linhas. Vou resistir ao desejo de falar mais sobre isto, deixar o assunto "trabalho" de lado e retomar o fio da meada deste texto.

Pronto, voltando ao restaurante universitário, que foi o que citei para falar do quanto estou aberta ao que Strasbourg me revela dela, e, por conseguinte, me leva a revelar-me a mim mesma, preciso contar que, estando eu, pela primeira vez, dentro do Gallia, um dos restaurantes universitários da cidade - aqui, entre restaurantes e cafeterias universitárias, existem 14 opções -, meu pensamento trabalhou muito, muito mesmo. Ele atuou mais do que o estômago e seus movimentos peristálticos.

Fiquei atenta a tudo que as pessoas faziam em relação ao comportamento na fila, ao ritual de apanhar bandeja, prato, copo, talher... e imitei cada passo para não pagar mico. Servi-me de tudo que pude, e pode-se bastante: salada, prato do dia, queijos luxuosos e sobremesa. Acomodei-me numa das mesas, olhei para o teto e estava dado o start para eu me perder em meio à beleza arquitetônica do lugar. Fiquei ali, com meus olhos de visitante, tomada pela estrutura daquela construção antiga, suas cores, suas luzes, seus lustres. Quis abarcar tudo que eu enxergava e, quando me procurei, lá estava eu almoçando com minhas lembranças da estudante universitária que fui, em Aracaju, quando cursei Jornalismo, na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Fui percebendo o quanto gostei de ser estudante de graduação e como gosto de manter esta aura como parte da minha personalidade. Afinal, aprecio estar neste lugar de quem aprende sempre, gasta pouco, se diverte com o que surge e tem interesse em conhecer as pessoas que aparecem no caminho. Avancei na ingestão da comida com tempero novo e, entre uma garfada e outra, me vi dimensionando meu vínculo com quem eu já fui e preservo e, ao mesmo tempo, meu afastamento de quem eu fui e não quero e nem preciso mais ser - ai, como é bom termos este direito de deixar de sermos quem fomos! Comi lentamente o dito "prato do dia", nosso famoso prato feito [mas não sei o que era exatamente, pois ainda não sei decodificar as opções], e, quando eu estava devorando a sobremesa, fui assimilando o quanto minha identidade é atrelada à dimensão estudantil da minha trajetória, acionada com ênfase quando habitei a cidade de Aracaju, onde morei numa república povoada de alegria, criatividade, amor e desejo de ser feliz.

Ao me ver friccionada com esta constatação de que minha identidade atual carrega muito do universo estudantil vivido em terras aracajuanas, para aonde fiz meu primeiro deslocamento a partir da minha cidade de origem: Feira de Santana, me lembrei imediatamente da frase do livro "Memórias de Adriano", de Marguerite Yource, e que diz: "O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos (...)". Pronto, foi encontrar-me com esta frase e todo um chacoalhar de perguntas me cercou: quantas vezes podemos nascer? Quantas vezes devemos morrer? Quantas cidades podemos carregar como nossa? O que me é inteligente, hoje, permanece, amanhã? O que sei sobre mim, agora, dura quanto tempo? Aquele ponto que em mim não gosto pode se dissolver, quando eu me cruzar com a próxima cidade que vou conhecer?

21 de maio de 2011

Frases soltas de quem para tudo olha

Estimuladas pela observação estas frases brotaram, e eu, sem censura, as escrevi na adorável cadernetinha, esta parceira que abriga as anotações que Strasbourg me desperta. Partilho-as com vocês, sabendo-me uma mulher, que faz do papel e da caneta, boas aliadas, mas que nem sempre consegue imediatamente reproduzir aqui as colheitas realizadas, de modo que abaixo há escritos providenciados ainda nos primeiros dias de vida minha aqui.

1) Estou há dois dias em Strasbourg e ainda não vi crianças fardadas [dois dias depois que me dei conta disso, minha professora me diz que aqui as escolas não exigem fardamento]. Conclusão: com base em minhas referências, estava procurando o que não existe nestas terras.

2) Os jovens desta cidade são estilosos, me parecem mais "mundializados" do que as pessoas mais maduras, e as mulheres não sabem o que é acne. Que privilégio elas têm!

3) Sei que a situação que vivo: deslocamento do local de origem para vivência temporária noutro lugar é substância que, ao longo da história, já permitiu a elaboração de teorias, pensamentos, paradigmas, a escrita de cartas, emails, livros; é matéria que faz despertar uma saudade específica. Sinto-me, então, dentro de um impulso que gera.

4) Desejo o instinto mais vivo do que a razão dentro de mim.

5) Meu corpo pede, meus sentidos exigem, meu verbo requer: uma apreciação nada metrificada.

6) Fotografei as linhas pintadas na pista do aeroporto de Salvador. Não consegui fazer o mesmo com as da pista do aeroporto de Strasbourg. Gostaria de unir as linhas de lá com as de cá e fazer a continuidade de quem eu sou, mas com mudança de cenário, alteração de figurino e aperfeiçoamento profundo da personagem. 

17 de maio de 2011

17 de maio: um mês em Strasbourg

Olho nos olhos do homem que comigo vive, escuto suas frases comemorativas e sei que é hora de brindamos ao meu primeiro mês como habitante de Strasbourg, na região da Alsace, leste da França.

Encontro das taças no ar, escutamos o som que advém deste inédito tintim. Pela garganta, passa adequadamente o vinho comprado em meio a uma quantidade incomensurável de opções boas e muito baratas [há vinhos maravilhosos por menos de 3 euros e posso afirmar que as prateleiras de vinho nos supermercados franceses dispensam economia de tempo; o negócio é apreciar].

Segue-se a noite. Respiro com a mesma leveza que apresenta uma flauta transversa ao emitir suas mais íntimas notas musicais, e, com o pulmão oxigenado, entro numa observação desmedidamente retrospectiva.

Revejo meus pés em contato com o chão do quarto, certifico-me de que as malas foram esvaziadas, as roupas arrumadas dentro do guarda-roupa, o banheiro recebeu escova de dente, a nova cozinha, com fogão de duas bocas, é o máximo; a geladeira pequena atende bem, os livros se agruparam jeitosamente na estante e o computador tem local específico em casa. O mês que passou me chegou como um presente: são muitas as boas colheitas que fiz.

Numa nuance imprecisa, mas sábia, volto-me para os últimos 30 dias. Noto, com estupendo prazer, ruas novas, pessoas diferentes, ideias mágicas, passeios transcendentes. Recapitulo a infinidade de prédios bonitos e a poderosa luz do sol que se presentifica, às 20h40, em minha janela. Enalteço as proveitosas conversas de orientação acadêmica tidas na bela e acolhedora Université de Strasbourg. Valorizo a ida de bicicleta para Alemanha, a passagem fascinantemente inesquecível por Paris e muito mais de edificante que, entre o dia 17 de abril e 17 de maio, se agregou ao que sou.

Exalto o encaixe que há entre mim e o desejo de aproveitar o máximo cada momento vivido em terras distantes das minhas. E este encaixe, que parece àquelas pecinhas dos brinquedos legos, recebe de mim todo cuidado.

Fico horas admirando-o, protegendo-o, limpando-o, retirando a poeira, que por ventura, venha a atrapalhar a conexão. Busco me livrar de tudo que possa danificar as pontas que me permitem elos, por isso, lubrifico as peças que saem de mim e, ao se ajustarem precisa e criativamente às peças que o mundo disponibiliza, me levam, a partir da interação profunda com elas, a um conjunto de incontáveis descobertas e aprendizados.

Faxina feita, sentimento renovado, brinde erguido, sinto-me preparada para continuar vivendo em Strasbourg e experimentar tudo que esta preciosa cidade francesa me oferece. 

13 de maio de 2011

Recuperando para não perder

"Recuperando para não perder" é a frase que nesta sexta-feira eu preciso pronunciar, pois já perdi o número de em quantas estações de trem e de em quantos trens eu já estive, desde que desembarquei em solo francês. No entanto, ainda não expus o texto que escrevi em minha cadernetinha vinte e quatro horas após minha chegada à Strasbourg.

O referido texto se apresenta, hoje, e aproveito para anunciar que o silêncio dos últimos dias está relacionado ao defeito que meu computador apresentou e que o fez ficar alguns dias nas mãos do Senhor Bouzar, um homem de aproximadamente 65 anos, que cobrou 45 euros pelo conserto, vendeu pilhas para a lanterna da bicicleta emprestada que disponho, deu de presente pra mim e pra Nelson um chaveiro que ilumina e, quando voltamos à sua loja para apanharmos o computador de volta, nos sorriu falando nosso nome. Amamos!

Bom, computador reparado, foi a vez do Blogger, serviço que abriga meu blog, entrar em manutenção, de modo que estive sem condições para publicar. Enfim, alguns impeditivos à escrita, mas ela venceu e aqui estou. Vamos lá...

Em meu segundo dia em Strasbourg, sentada à mesa de um restaurante, onde almocei, eu escrevi:

Soletrar uma cidade é embarcar numa leitura, cujos parágrafos não se apresentam imediatamente. Ontem e hoje, experimentei esta sensação de tentar ler o que eu ainda não fui alfabetizada para reconhecer. Diante de um conjunto de códigos estruturados, de um emaranhado de histórias vividas por quem mora aqui, me vejo enumerando as cenas que me chegam e faço isso pondo em ação meu nariz, minha boca, meus olhos, minha pele.

Trago minha biografia para se somar a um universo de pessoas nascidas aqui, outras, chegadas de lá, outras, vindas de acolá; todos nós numa mesma cidade sintonizados pela linha do "estar aqui e agora".  Ou seja, independente da forma como aqui nos instalamos, somos, no atual circuito de tempo, habitantes de uma mesma cercania. E, nivelados por esta linha, todos nós, neste terreno, buscamos a felicidade, o encontro, a incorporação de possibilidades, que até o momento ainda não surgiram e que talvez nos cheguem, tendo Strasbourg como personagem desta aquisição.

Na posição em que me vejo: dois dias de contato com a cidade onde vou morar por um ano, de modo que ainda tenho outros 363 dias pela frente, é normal que tudo me seduza, que a cor verde da poltrona do trem urbano, que me levou a alguns locais, queira estar entre os signos colhidos e guardados por mim em meu repertório de lembranças.

Peço para as poltronas e também para mim mesma que não nos relacionemos como se eu estivesse visitando Strasbourg por uma quinzena de dias, e, portanto, tudo tivesse que me penetrar com a velocidade das viagens corridas, mas que consigamos encontrar o caminho da convivência mais alargada, embora ao mesmo tempo um tanto quanto rápida. Afinal, será nada mais que um ano.

Mas, ainda que passageira, será uma convivência com direito a endereço, à matrícula na universidade, a compras no mercado, à posse de panelas, a fronhas minhas, a roupas lavadas na lavanderia, à faxina de casa, a um guarda-roupa, à conta bancária e a um espaço particular. Então, que saibamos nos descobrir, nos aproximar, nos dizer e fazermos muitos percursos juntas.

Sim, poltronas do trem de Strasbourg, vocês vão me levar e me trazer de muitos lugares nesta cidade, que também será minha por 12 meses.

Doce Strasbourg, pois é, a senhora é "meu aqui", a partir destes dias, e quero que saiba que estou muito feliz por isto. 
Muito a dizer