13 de maio de 2011

Recuperando para não perder

"Recuperando para não perder" é a frase que nesta sexta-feira eu preciso pronunciar, pois já perdi o número de em quantas estações de trem e de em quantos trens eu já estive, desde que desembarquei em solo francês. No entanto, ainda não expus o texto que escrevi em minha cadernetinha vinte e quatro horas após minha chegada à Strasbourg.

O referido texto se apresenta, hoje, e aproveito para anunciar que o silêncio dos últimos dias está relacionado ao defeito que meu computador apresentou e que o fez ficar alguns dias nas mãos do Senhor Bouzar, um homem de aproximadamente 65 anos, que cobrou 45 euros pelo conserto, vendeu pilhas para a lanterna da bicicleta emprestada que disponho, deu de presente pra mim e pra Nelson um chaveiro que ilumina e, quando voltamos à sua loja para apanharmos o computador de volta, nos sorriu falando nosso nome. Amamos!

Bom, computador reparado, foi a vez do Blogger, serviço que abriga meu blog, entrar em manutenção, de modo que estive sem condições para publicar. Enfim, alguns impeditivos à escrita, mas ela venceu e aqui estou. Vamos lá...

Em meu segundo dia em Strasbourg, sentada à mesa de um restaurante, onde almocei, eu escrevi:

Soletrar uma cidade é embarcar numa leitura, cujos parágrafos não se apresentam imediatamente. Ontem e hoje, experimentei esta sensação de tentar ler o que eu ainda não fui alfabetizada para reconhecer. Diante de um conjunto de códigos estruturados, de um emaranhado de histórias vividas por quem mora aqui, me vejo enumerando as cenas que me chegam e faço isso pondo em ação meu nariz, minha boca, meus olhos, minha pele.

Trago minha biografia para se somar a um universo de pessoas nascidas aqui, outras, chegadas de lá, outras, vindas de acolá; todos nós numa mesma cidade sintonizados pela linha do "estar aqui e agora".  Ou seja, independente da forma como aqui nos instalamos, somos, no atual circuito de tempo, habitantes de uma mesma cercania. E, nivelados por esta linha, todos nós, neste terreno, buscamos a felicidade, o encontro, a incorporação de possibilidades, que até o momento ainda não surgiram e que talvez nos cheguem, tendo Strasbourg como personagem desta aquisição.

Na posição em que me vejo: dois dias de contato com a cidade onde vou morar por um ano, de modo que ainda tenho outros 363 dias pela frente, é normal que tudo me seduza, que a cor verde da poltrona do trem urbano, que me levou a alguns locais, queira estar entre os signos colhidos e guardados por mim em meu repertório de lembranças.

Peço para as poltronas e também para mim mesma que não nos relacionemos como se eu estivesse visitando Strasbourg por uma quinzena de dias, e, portanto, tudo tivesse que me penetrar com a velocidade das viagens corridas, mas que consigamos encontrar o caminho da convivência mais alargada, embora ao mesmo tempo um tanto quanto rápida. Afinal, será nada mais que um ano.

Mas, ainda que passageira, será uma convivência com direito a endereço, à matrícula na universidade, a compras no mercado, à posse de panelas, a fronhas minhas, a roupas lavadas na lavanderia, à faxina de casa, a um guarda-roupa, à conta bancária e a um espaço particular. Então, que saibamos nos descobrir, nos aproximar, nos dizer e fazermos muitos percursos juntas.

Sim, poltronas do trem de Strasbourg, vocês vão me levar e me trazer de muitos lugares nesta cidade, que também será minha por 12 meses.

Doce Strasbourg, pois é, a senhora é "meu aqui", a partir destes dias, e quero que saiba que estou muito feliz por isto. 

8 comentários:

  1. Oi menina! como agora já está mesmo chegada, conforme seu texto! pretendo lhe fazer um pedido, que acho que fará à medida do possível! é rastrar os passo de 2 grandes brasileiros que viveram na França! nada mais que o médico autor do livro Geografia da Fome (esse D. Linezia leu) de Josué de Castro e o outro o tambem geografo e bahiano Milton Santos. Será que pedir demais? se o fiz faça o desconto aí. Um grande abraço. Zelia

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  2. Essa vivência vem trazendo muitas narrativas gostosas, né, amiga? Feliz morada em Strasbourg, querida! E Paris? Como foi sua visita lá? Duas visitas, né? bjs!

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  3. Aff que eu já estava "aperreada"... Pensei que a "francesinha" tinha esquecedio as palavras em portugûes. Mas graças a Deus, foi só um mal pensamento rsrs, acho que rolou uma quimica aí, "poltrona verde"...
    Bjs

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  4. Zélia querida,

    Que bom ler você por aqui! Sim, sim, quero percorrer os passos destes brilhantes brasileiros. Estudo na universidade onde Milton Santos se doutorou. Também li o mesmo livro que vó leu. Vixe como é bom me ver "repetindo" alguns passos que ela deu, como este de termos lido o mesmo título!

    Sim, e por falar em brasileiro na França, hoje, vi uma exposição sobre dez pessoas que mudaram a educação no mundo e eis que dentre elas está o nosso amado Paulo Freire. Emocionei-me.

    Beijocas

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  5. Amiga Fátima,

    Sim, o meu momento de vida tem me levado a escrever, pensar, sentir, absorver. Haja narrativas que alimentam!

    Estive em Paris duas vezes e foi uma experiência fascinante. Ficamos numa casa especialíssima e tudo transcorreu dentro de uma concepção menos turística, embora tenhamos ido ao impressionante Louvre.

    Ficou de fora muitos outros cantos, pois fomos também para acompanharmos um evento científico que Nelson fotografou. Tudo muito interessante.

    Beijocas

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  6. Lúcia, meu amor, se eu lhe disser que quando escrevo lhe vejo? Fico pensando em você me lendo e é ótima a sensação.

    Sim, sim, claro que as palavras em português estão intactas em mim. A ausência já foi explicada.

    Adorei a química com a poltrona, rs... Você tem toda razão, tanto que mudei um pouco o texto. Se você ler novamente, verá.

    Beijocas

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  7. Amiga linda,
    Tenha lindos vôos! E não deixe de escrever, porque nessa partilha, voamos junto com você! Imaginei-me vendo esta exposição e enxergando Paulo Freire entre os melhores do mundo.
    Amo você
    Aldacy( Nêga)

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  8. Amiga Nêga,

    Fico cada vez mais contente com sua presença no "Conversa da pele com o tempo".

    Beijos amorosos

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