23 de junho de 2011

Urgência dos meus olhos

Nossas partes abrigadas dentro da mesma casa, anúncio firme da vida me dizendo que o inédito é a tônica  e eu descobrindo que pelo menos uma certeza eu carrego: sou sempre tomada por um senso de urgência fotográfica, quando me proponho a desvendar uma cidade.

Não tem perdão, desembarco em novo terreno, e meus olhos, como soldadinhos, colocam-se ao dispor da fotografia que haverá de revelar o céu desta cidade, as flores, as árvores, meus pés, as ruas, sua arquitetura, os ônibus, os carros, o trem - se houver - e os bancos das praças.

Aliás, destes, mesmo que eu tente, eu não consigo fugir de fazê-los parte de mim, trazê-los comigo de alguma forma. Taí uma das minhas manias: voltar a câmera para os bancos de praça. Que tal um agora?


Selecionei este. Ele fica em frente à minha casa, e eu adoro saber que moro numa rua, onde dispomos de bancos para sentarmos e contemplarmos o que se coloca à nossa frente. Minha rua se chama Boulevard de la Victoire.

É maravilhoso nos acomodar em seus bancos, bater um papo, ver o tempo passar, as pessoas caminharem dentro dos seus rumos e não-rumos, passarem a bordo das suas bicicletas. Ai, é tão bom!

E esta é uma novidade em minha vida. Afinal, até aqui ainda não havia morado em rua, com banquinhos de praça, e eu estou gostando bastante desta experiência, sabe? É que sinto-me mais perto do que se chama "não-pressa".

17 de junho de 2011

Dois meses em contato com a cidade que encanta

Eu transpiro de novo jeito e somos mais. Ele transpira, também de modo diferente, e somos nós dois nesta cidade que nos convida a apreciar, desde o detalhe na porta da Catedral altíssima, que aqui está erguida, ao par de tênis abandonado na esquina, onde uma bicicleta se coloca deitada. Strasbourg é um mar de encantos para mim e para Nelson. Somos descobridores deste universo de beleza, sofisticação, bem-estar, prazer, organização e muita arte.

Hoje, completo dois meses que cheguei aqui e adoro saber que já tenho, na estante de casa, livro pego na biblioteca do bairro vizinho, ou seja, sou menina com carteirinha de acesso ao mundo literário de Strasbourg. Também sinto um calorzinho bom por dentro de mim, todas as vezes que olho para a pequena cozinha que dispomos e noto o pano de prato, com barra de quadrinhos, pendurado em cima da pia. Eu o vejo e é como se ele fosse o carimbo que me diz: "você está vivendo na França, vocês estão vivendo na França".

E é, por isso, que hoje exponho novas imagens desta cidade, que nos diz que na vida há de se ter sempre um lugarzinho especial para o verbo "apreciar".








14 de junho de 2011

Dia da Chegada e uma dúzia de fotos


A primeira foto de Strasbourg que pus aqui é exatamente a primeira foto que fiz da cidade e isso já faz alguns dias. De lá pra cá, minha câmera se debruçou sobre um número significativo de situações cotidianas, construções charmosas, cores, janelas, pessoas, praças, pontes, partes do rio que corta a vila etc. Contudo, antes de mostrar estas fotografias mais atuais e que traduzem, com mais precisão, este cantinho bonito que ando descobrindo, tenho vontade de publicar aquelas imagens feitas por mim sob o mais genuíno respirar do cheirinho de "novo". 

Sinto-me chamada a apresentar, ainda dentro do circuito das "imagens-de-peito-aberto-feitas-sob-o-status-de-primeiras", uma dúzia de imagens que me chegaram ainda no domingo, dia 17, Dia da chegada. Depois de arrear as malas e tomar um superbanho, sai do prédio onde estou vivendo, por volta das 16 horas. Andei para o lado esquerdo da rua, segui não mais que alguns metros e encontrei comida, gente, feira, tons circenses, arte e a graciosa Rue Ste. Madeleine, que esbanja em sua esquina a preciosa palavra bienvenue.

Preferi não adentrar. Guardei a experiência para outro dia, assim como acontece quando estamos lendo um livro, cujas últimas páginas cuidamos a paõ de ló, pois, de tão bom que é, queremos prolongar ao máximo nosso contato com seus personagens. Na hora devida, vou escolher o dia e a hora para penetrar naquela rua dotada de ares de romantismo. Combinei isto com Ste.Madeleine, inclusive.

E os meus olhos, que no Dia da Chegada elegeram fotografar a entrada da Rue Ste. Madeleine, também selecionaram no todo que me circundou naquelas deliciosas horas de inaugurais apelos as seguintes cenas: a mulher e a menina andando de bicicleta, o restaurante fixado numa esquina, uma esquina onde havia uma mulher, uma bicicleta e uma placa; a senhora de vermelho entrando numa rua, meu primeiro almoço, a menina no monociclo, a feirinha de arte do bairro vizinho, a celebração católica do Domingo de Ramos, o prédio em tom pastel e o trem que passa na porta da minha nova casa.














8 de junho de 2011

Daquilo que me toca I


Eu ainda nem sabia que o salário mínimo na França é aproximadamente 1000 euros e que a jornada de trabalho semanal aqui tem 35 horas, quando descobri, passando a pé por uma rua, todinha tomada por belos prédios de quatro andares e com um mercadinho charmoso na esquina, que no dia 25 de abril, Segunda-feira de Páscoa [feriado que nós no Brasil não temos], no lado de dentro desta delicada janela, com cortina branca bonita e jarrinho azul com flor, alguém dedilhava o piano e enfeitava com música as horas que passavam no interior e também fora de uma atraente casa, identificada sob o número 33.

Naquela segunda-feira em que embarquei nos acordes que tomavam a calçada, eu não sabia, como continuo sem saber, como funciona ao certo a gestão municipal dentro das fronteiras francesas e muito menos tinha averiguado o preço do combustível praticado nos postos deste país. 50 dias de morada boa em Strasbourg e ainda não foi possível, claro, absorver como se ergue uma escola nas bandas de cá, não memorizei o nome de boa parte das praças e estou longe de apreender os segredos de uma das culinárias mais sofisticadas do mundo.

No entanto, porque ouvi com meus próprios ouvidos, caminhando pela cidade, posso assegurar que levo comigo a experiência de ter passado em frente a uma residência que ecoa belezas sonoras, através de um piano. E, embora eu não saiba quanto custa abastecer o tanque do carro em Strasbourg, eu já sei que aqui há uma casa, que guarda o número 33 e que no dia 25 de abril espalhou musicalidade pelos ares. Meu Deus, e como é bom me ver dada também a um aprendizado solto, distante do academicismo, envolto numa gostosura que aquece o espírito!

Delícia abraçar o que eu vou aprendendo, bem assim desse jeito meu: bobo e devagar, e que me faz, antes de adentrar algumas informações mais burocráticas, saber, primeiro, sobre janelas, cortina branca, jarrinho de flor, casa número 33 e piano.

Daquilo que me toca II

Preciso dizer que uma das cenas que mais me tocam em Strasbourg, cidade extremamente bonita e encantadora sobre a qual tenho escrito em recortes e sei que devo aos leitores as fotos que já fiz dos seus inúmeros cantinhos amáveis, são os homens e mulheres, com seus cabelos brancos, denotando estarem depois dos 70 anos, todos eles cheios de saúde e bastante vigor, andando de bicicleta sob a configuração do par.

Adoro vê-los um ao lado do outro em suas bicicletas, vestidos com roupas despojadas e levando uma mochila nas costas. É um mimo e me transmite um bem-estar considerável. Fico mesmo bastante encantada com a forma como eles exercitam a afetividade nas ruas. Esbanjam tanta franqueza! Eles caminham de mãos dadas, se beijam, se acariciam, se acarinham. É uma imagem que enche meu coração de calor. Sinto-o realmente forrado pela ebulição da afetividade.

Outro dia, andando pela Université de Strasbourg, que não tem muros, de modo que seu espaço penetra e é penetrado pela cidade, o que faz da sua estrutura um local especialmente coletivo; eu, sabendo que ainda não era hora da rotina se instalar, me permiti parar e literalmente me embriagar com a seguinte cena: um casal de idosos, aparentando mais de 80 anos, caminhando com os olhos voltados para cima, sobretudo, a senhora em seu vestido bem arrumadinho.

Era um sábado e parece que eles saíram de casa para verem as árvores. Fiquei com esta impressão e foi maravilhoso seguir meu dia com este tom dentro de mim. Inesquecível ver a mulher apontar com seu dedo detalhes da árvore e convidar seu companheiro para que também se encantasse com o que ela via de bonito. Ele deu o aceite e entre os dois tudo foi pura descoberta de uma árvore que se fez presente no caminho.

Acredito que eles já se depararam inúmeras vezes com árvores, mas talvez nunca tenham perdido o sabor de contemplá-las, e o melhor: não se desapegaram do precioso hábito de um mostrar para o outro o que chama sua atenção. Simplesmente emocionante ver aquela senhora convidando seu amor para que ele notasse os detalhes de uma árvore.