24 de junho de 2014

Liberação: um objetivo comum entre os resistentes

Em 1943, tendo como finalidade libertar a França do poder nazista, foi criado o CGE – Comité general d’études (Comitê Geral de Estudos) para definir as medidas legislativas que resultariam na Liberação. Os ataques aos alemães foram aumentando e, entre as operações mais espetaculares, está a explosão com dinamite, em setembro de 1943, da Usina Elétrica de Chalon-sur-Saône por um grupo da MUR – Mouvements unis de la résistance (Movimentos Unidos da Resistência).

De fato, crescia o combate às forças alemães, mas recrudescia ainda mais a perseguição e prisão de resistentes, que costumavam levar consigo uma cápsula de cianureto de potássio para, se capturados e presos pela Wehrmacht, cometerem suicídio e se livrarem da tortura que os agentes exerciam para exigir que revelassem informações importantes, como o endereço onde aconteciam as reuniões da Resistência, por exemplo.

Há registros de que quando o nazismo se apossou de parte da França, 900 espaços de detenção serviram a maltratos contra os que, sob o julgamento da Wehrmacht, se configuravam como uma ameaça. Eram campos de internamento, de concentração, prisões, centrais de detenção e fortalezas, para onde eram encaminhados judeus, resistentes, dirigentes comunistas, alemães antifascistas e detentos políticos tomados como reféns, dos quais muitos foram fuzilados.


Acervo Musée de la Résistance Nationale
Comunicado alemão contra resistentes comunistas
Decreto alemão de Corte Marcial anunciando o fuzilamento de um resistente por ter sabotado cabos telefônicos


Cartaz da propaganda nazista

Georges Duffau-Epstein, presidente da Associação Nacional das Famílias de Fuzilados e Massacrados da Resistência Francesa e Seus Amigos (ANFFMR), afirma que “140 mil resistentes foram deportados ou levados a campos de concentração, dos quais quase 100 mil morreram”.

Diante do poderio alemão, conclamar a liberação da França só foi viável com a ajuda das tropas dos países aliados que no Dia D, 6 de junho de 1944, sob o comando do general norte-americano Eisenhower, desembarcaram na Normandia, no noroeste francês, e dali em diante uma série de processos de insurreição foi desencadeada, como o que liberou Paris em 25 de agosto de 1944.

Acervo Musée de la Résistance Nationale
Exemplar do jornal que leva o título Libération

Memória e continuidade
O Musée de la Résistance Nationale, localizado nos arredores de Paris, forma com mais de uma dezena de espaços distribuídos na França, entre museus e centros históricos, uma rede institucional que tem por objetivo recontar a história da Resistência e da Liberação. De um modo geral, esses lugares são fruto do esforço de resistentes, que, organizados em associações, conseguiram compor locais voltados à disseminação das suas ações.

Foto: Luciano Fogaça
Fachada do Musée de la Résistance Nationale

Em Paris, há pelo menos quatro endereços com este perfil, sendo um deles um complexo museográfico situado no bairro Montparnasse, sob o nome de Memorial du Maréchal Leclerc de Hauteclocque et de la Libération de Paris e Musée Jean Moulin de la Ville de ParisEm seu interior não somente jornais, cartazes e fotografias originais da década de 40, mas também o depoimento vivo de Charles Pegulu de Rovin, que aderiu à luta contra as forças alemãs na fase final da Resistência, quando a atuação estava mais voltada à Liberação. Hoje, com 89 anos, ele trabalha voluntariamente no memorial dedicado ao marechal Leclerc, onde exerce a função de conselheiro histórico.

Rovin integrou a Segunda Divisão Blindada (2ª DB), unidade militar francesa independente, criada pelo general Philippe Leclerc, em Témara, no Marrocos, durante a Segunda Guerra Mundial, e que recebeu importante contribuição dos Estados Unidos: “praticamente tudo que tínhamos vinha dos norte-americanos, até o que comíamos”, brinca Rovin, que após ter atuado na liberação de Paris, participou da Campanha da Alsace, libertando Strasbourg e cidades vizinhas, e depois seguiu até a Alemanha numa espécie de escolta aos alemães: “fomos levá-los em casa”, ironiza.

Na década de 40, o ex-combatente, que não é de uma família de militares, integrava a equipe da Força Nacional, que deveria, em caso de bombardeio, se dirigir ao local bombardeado, e, antes de prosseguir contando como se desenvolveu a sua participação na liberação de paris, ele fez questão de deixar dito: “as coisas com a Alemanha estão resolvidas; não há mais nenhum problema, atualmente”.

Adesão à luta
Chamado a falar da forma como se engajou nas ações contrárias aos alemães, Rovin contou: “quando me juntei ao grupo que trabalhou na Liberação, eu tinha 18 anos e estudava engenharia. Eu me engajei em 1943, no Hotel de Ville (o equivalente a uma prefeitura municipal), onde estavam os alemães. Havia uma perspectiva de bombardeio, mas este não houve; ainda bem, pois eu, por exemplo, estava armado apenas com uma metralhadora Sten e tudo que ela produziria seria apenas 30 segundos de fogo. Nós entramos, então, pelas portas do lado e os alemães se renderam no dia 25 de agosto de 1944”. 

Foto: Luciano Fogaça
Ex-combatente Charles Pegulu de Rovin

Depois de cumprir seu ciclo na 2ª DB, Rovin deixou a carreira militar e passou a trabalhar com o pai no setor de usinas. O conselheiro se lembra de seu engajamento como uma ação cívica que lhe era indispensável fazer: “Nós estávamos ocupados pelos alemães, e era uma ocupação muito pesada, muito demorada – já faziam quatro anos. Havia alemães por todos os lados, havia toque de recolher, existiam calçadas nas quais não podíamos pisar. Então, quando eu soube de um possível bombardeio em Paris, eu fui ajudar a construir a Liberação. Se seu país está ocupado, é um dever recuperá-lo”, declara.

“Para mim aquilo foi normal, tínhamos que nos desvencilhar dos alemães, as coisas não podiam continuar como estavam. Era preciso nos libertar do inimigo. Aquele era o nosso dever. Pena que hoje as pessoas infelizmente não conseguem mais saber qual é exatamente o dever a ser feito”, analisa Rovin, que guarda uma grande admiração pelo general Leclerc, líder da 2ª DB.

“O general era justo. Para ele, um homem era algo muito importante. Entre nós, soldados, o chamávamos de “O chefe”, e para saber o que ele significa, basta dizer que, hoje, 70 anos depois, 1000 ex-integrantes da 2ª DB continuam contribuindo financeiramente para uma associação em torno do seu nome. Nenhum partido político, nenhum sindicato, que esteja fora de operação por 70 anos, tem isto”, destaca Rovin mostrando, em seguida, o afeto que permanece entre os que serviram à divisão: “quando nós nos encontramos, nós nos cumprimentamos com beijo e não falamos nem em dinheiro, nem em política e nem em religião”, diz sorrindo.    

Após a Liberação
Quando a Resistência se dedicou mais atentamente à organização das estratégias voltadas à Liberação e se propôs a pensar no modelo da gestão política que seria realizada depois da retomada da França, outras discordâncias emergiram, sobretudo, no que tange à tentativa de organização de um partido dos trabalhadores que viria a reunir os anseios esquerdistas.

O dissenso entre os resistentes não foi diluído e, portanto, uma nova república não foi imediatamente instalada. Sendo assim, o CFLN (Comitê Francês de Liberação Nacional) foi convertido em GPRF (Governo Provisório da República Francesa) e governou a França até a posse do presidente Vicent Auriol, em janeiro de 1947, quando uma constituição foi promulgada e a IV República instituída.

De Gaulle, entretanto, só viria a presidir a França em 1959, depois de em 1958 ter liderado a redação de uma nova Constituição e ter fundado a atual V República. Ele permaneceu na presidência até o ano de 1969. 

Condecorações
Para recompensar os resistentes, o Estado francês, além de garantir as devidas indenizações, concedeu algumas honrarias, entre as quais a Ordre de la Libération (Ordem da Liberação), criada já por De Gaulle e entregue não somente aos aproximadamente 1000 resistentes mais atuantes, como também para unidades territoriais que estiveram intensamente envolvidas nas ações da Resistência, como as cidades de Paris e Grenoble. Os resistentes prestigiados com tal distintivo são chamados Compagnon de la Libération (Companheiro da Liberação) e, hoje, 18 deles estão vivos.

Este ano a Resistência completa 70 anos. O Ministério dos Antigos Combatentes e Vítimas de Guerra está organizando um programa comemorativo, e entre as ações previstas, está a condecoração de resistentes que ainda não tenham recebido alguma medalha. Em março passado, num gesto de reconhecimento dos valores pregados pela Resistência, como o combate ao totalitarismo, o presidente François Hollande autorizou a transferência das cinzas de quatro resistentes, dos quais duas mulheres, para o Panthéon. 

Um comentário:

  1. Sarah li todos os posts e fiquei encantada em conhecer essa imprensa clandestina durante a Resistência. Também fiquei curiosa com o Museu para ver as fotos, os depoimentos. Parabéns pela série. Viva!

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