26 de janeiro de 2010

Gostosa forma de gastar as sandálias

Muito saboroso cansar os pés andando pelas ruas de Santiago. A cidade, que tem uma temperatura muito agradável, pois, no verão, o sol quente é amenizado pelo vento frio que a alta atitude dos Andes produz, presta-se a comunicar jovialidade, transmitir poesia e emitir uma performance elegante e doce. Acolhedora, Santiago me encanta com um carinho bom de ser sentido.

A impressão que tenho é que nela tudo funciona. Nada parece demandar muito trabalho ou grande desprendimento de energia. Tudo simplesmente flui. Assim parece o trânsito, embora haja alguns períodos do dia com engarrrafamentos, os motoristas comandem o volante com uma alta velocidade e as sinaleiras abram de um modo que é possível o carro passar justo por onde o pedestre está atravessando - acreditem - mas, ele haverá de ter sempre prioridade na travessia.

Seus ônibus são mais novos do que os de Buenos Aires, há metrô, com trens conservados e limpos, parando em estações bonitas que dão espaço para a arte. Há, por exemplo, uma exposição sobre a fotografia do Chile, na estação Plaza de Armas, que nos deixa perto da Praça do mesmo nome, onde a única arma é a liberdade. Pintores, atores, vendedores de postais ocupam seu centro, fazendo do seu bélico título outra coisa, outra substância.

Em Santiago, há inúmeros bares estilosos - acredito que sentar numa mesa, tomar algo, de preferência pisco, um delicioso arguadente feito de uva e que é produzido no País, é um programa corriqueiro na vida de quem mora na capital do Chile, onde vive um povo bastante atencioso. Estou hospedada no Bed & Breakfast W.Noon, um abrigo muito charmoso e aconchegante, no bairro da Providência, região de Santiago com ótimo astral, onde é possível encontrar lavanderia, padaria, pubs, farmácias, além de dispor de uma estação de metrô. Sinto-me em casa. No W.Noon, o café da manhã é simples, mas a cozinha é nossa, o que suaviza o senso de impessoalidade que costuma configurar os hotéis.

Seu proprietário espalha gentileza. Hoje, me ofereceu vinho e degustei mais uma vez um dos produtos mais apreciados do Chile. Ele é arquiteto e também pinta telas, as quais compõem a decoração do seu empreendimento, que conta com uma pequena biblioteca, banheiros claros e com banheira, quartos harmoniosos e uma linda fachada feita com preciosos traços clássicos. Para completar, está situado numa rua delicada, com casas muito fofinhas.

Estando em Santiago, a alma cresce, porque além da Cordilheira ser um convite à expansão dos nossos sentimentos, aqui se encontra uma das casas onde viveu Pablo Neruda. A história que esta habitação guarda é de uma lindeza de fazer chorar. A residência foi construída, em 1953, e recebeu o nome de La Chascona em homenagem à Matilde Urrutia, o grande amor da sua vida.

E é o amor quem explica a estrutura da casa, pois trata-se de uma construção, com forte inspiração no mar, e que está distribuída em duas partes: uma delas é estreita, apertada, com pouquíssima ventilação e estes aspectos estão associados ao período em que o casal mantinha em segredo o belo romance que tomou os seus corações. O sigilo durou de 1946 a 1955; os dois inicialmente levaram um relacionamento às escondidas porque Neruda ainda era casado com sua segunda companheira, quando se envolveu com Matilda. O curioso é que a outra parte da casa é espaçosa, mais ventilada, mais colorida e foi erguida exatamente quando o amor entre Neruda e Matilda, em 1955, ganhou a liberdade para ser mostrado para o mundo. Conclusão: o amor, quando escondido, acaba por ficar reduzido, curto, incomôdo. Por esta razão, salvemos o amor, o façamos inteiro e não aos pedaços. Que o amor seja demasiadamente explícito, que goze de plenitude e esbanje beijos, calores, fogo, inspiração. Após visitar a La Chascona, só posso dizer que conheci a casa-amor, o amor-casa do ilustre Senhor Pablo Neruda, o que me deixou ainda mais amante e desejosa do amor, que é, para mim, a grande mola da vida. Amemos e sejamos amados!

3 comentários:

  1. Sou Roque da Gazeta (seu fan incondicional). Quando retornar ao Brasil me traga jornais (o máximo que puder do locais onde passou. (uns colecionam borboletas, eu coleciono jornais...

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  2. ai que lindo, adorei saber sobre Santiago e sobre Neruda, apesar de nunca ter lido livros dele, agora estou curiosa!

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  3. Idem, idem, idem bebê....
    Como não sentir e ver o que vc descreve em tão lindas e sábias palavras.
    Ps. Bom saber que a brisa do amor de Sarah... tambem sopra, de com força, por dentro de mim...
    saudades bebêêêê.
    bjs

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