24 de janeiro de 2010

De Buenos Aires para o Chile

O caminho cresce e vamos nós para o Chile, terra do grande Pablo Neruda. Estou ansiosa e fazendo uma oração para que a poesia me visite desnudada e leve, em Santiago, e lá eu seja a captadora de vida em forma de verso. Adoro estar nesta posição, na posição de quem ganha o mundo, através da palavra que brota da ocorrência dos dias. Afinal, trata-se de uma posição que amplia quem somos. E como é maravilhoso ser mais um pouco, ir além, cruzar a linha!

Bom, daqui a mais ou menos uma hora vamos mais uma vez entrar no ônibus e ultrapassar mais outra fronteira. Será a divisa entre a Argentina e o Chile. Estou adorando adentrar os territórios nacionais pelo chão e não pelo céu. É um jeito curioso de se chegar a um país. A fronteira parece uma terra sem chance para os elos. Afinal, é simplesmente uma via. Estando nelas, me ponho a pensar no que significa passagem, trânsito, intermédio. E como a vida reúne tanto destes componentes, sendo ela, a vida, uma aventura sem grandes certezas!

Foram três dias em Buenos Aires, uma grande metropóle, com ruas largas e agitadas. Para chegar aqui, alcançamos um evento histórico: conseguimos percorrer um caminho que há três anos está interditado por um movimento ambientalista, localizado logo depois da fronteira entre o Uruguai e a Argentina. O corte da estrada, como eles chamam, é para protestar contra a montagem de uma indústria de papel, em terras uruguaias, e que contamina as águas do Rio da Prata. Trata-se do pouco conhecido Conflito das Papeleiras. Ao me deparar com este acontecimento, chegou mais uma vez em mim a sensação de que pouco sabemos da América Latina, das suas lutas e buscas.

Encontrar com este conflito foi uma experiência muito tocante, pois as donas de casa, senhoras com mais de 60 anos que, sentadas em cadeiras de praia, se instalam na passagem, impedindo que se siga para adiante - de modo que os veículos que buscam esta rota, voltam para trás e precisam procurar outra alternativa de acesso à Argentina - têm uma generosidade incrível. Sabendo da nossa viagem, num ônibus, saindo da Bahia até a Venezuela, para estudar a integração da América Latina, visitando nove países da América do Sul, não só permitiram nossa passagem, como nos conividou para conhecermos a cidade onde vivem e que se chama Gualeguaychu.

Uma charmosa cidade com 80 mil habitantes e com oferta de aprazíveis passeios de barco, que não fizemos em virtude do pouco tempo que temos para tudo. Em Gualeguaychu, almoçamos, eu não abri mão de tomar um vinho e fomos guiados pelas ruas por Jorge, um dos militantes do movimento, que fala com os olhos brilhando sobre a luta contra a indústria de papel. A noite em que dormimos em Gualeguaychu coincidiu com a assembléia do movimento. Não só participamos da assembléia, como fomos aplaudidos, por sermos estudantes brasileiros conhecendo a América Latina. Ficamos arrepiados.

Para falar do encontro com o Conflito das Papeleiras, preciso de mais tempo e espaço, matérias que estou sem, neste momento, pois preciso tomar café e apanhar minha bagagem no quarto. Tenho os dedos em contato com as teclas e o pensamento movendo-se, junto com o coração, para querer contar tudo que me chegou em terras argentinas. Não posso sair daqui sem dizer que nos encontramos com as Mães da Praça de Maio, no final da tarde de quinta-feira. Foi muito emocionante. Meus olhos viram senhoras com mais de 85 anos esbanjando uma vontade linda de viver e de mudar o mundo. E meus olhos estão simplesmente muito impressionados com esta visão. Trata-se de uma semente que encanta e enche o peito de esperança.

2 comentários:

  1. Emocionante seu relato da Praça de Maio.
    Ainda bem que só lhe falta tempo e espaço, nunca as palavras, que sei, estão aí muito bem guardadas.
    Continuemos a "nossa viagem."
    Bjs

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  2. Sua vó Linezia acompanhou, durante muito tempo,
    a luta e a dor destas mães da Praça de Maio e
    comentava com admiração, emoção e uma certa cumplicidade a briga delas.
    Acho que sua muchila deve ser a mais pesada, pois vc consegue levar-nos todos nessa viagem...
    Bjos, Eta

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