3 de fevereiro de 2010

Ela pede tempo para ser percebida

Com signos desconexos, que dão as mãos para produzirem aquilo que ainda será conhecido; movimentos sociais campesinos, que, para ecoarem o grito, interrompem estradas e acionam a voz, além de uma vastidão de tecidos bonitos enfeitando todas as mesas que avistamos, e muitos séculos se encontrando nas ruas da sua capital, onde há trânsito caótico e praças muito povoadas, a Bolívia pede tempo para ser percebida. Anuncio que para ser sentida e traduzida, a Bolívia recomenda a um viajante: retinas mais largas, coração atento e uma dose de utopia na bagagem. É impossível, a partir da captura solta e despretensiosa do olhar, emitir qualquer opinião sobre este fascinante país. Careço, portanto, de um punhado de dias a mais para ousar traçar idéias sobre este lugar tão repleto de singularidades.

Ano passado, uma nova constituição foi promulgada e a República da Bolívia passou a se chamar Estado Plurinacional da Bolívia, e, por isso, hoje, em todos os prédios públicos, há um mastro a mais, para sustentar a linda bandeira de inúmeras cores que representa os povos indígenas. É muito, muito tocante ver esta bandeira estendida e ecoando versos de sabedoria por toda a cidade de La Paz, por exemplo. Deparar-se com ela é esperançoso, gostoso, bonito, enche nosso peito de admiração e vontade de saber mais sobre o povo boliviano, sobre as línguas aymara e quéchua.

Na presidência, um índio. Viva! Estou falando de Evo Morales, que tem uma enorme aceitação popular e montou ministérios voltados à construção de uma identidade boliviana que verdadeiramente abarque os indígenas. Um dos ministérios é o da Descolonização. Nota-se, então, que a Bolívia vive um processo de transformação que requer uma pesquisa mais detida para ser compreendido. Logo, estando na Bolívia, a curiosidade, sem dúvida, é uma ótima companhia. Tudo, absolutamente tudo, chama atenção, nos convoca para a observação.

Até o momento, passamos por San Cristóbal, pequeno lugarejo onde dormimos a caminho da capital boliviana; por Potosí, cidade que já foi um grande centro produtor de prata, tendo sido no século XVII uma das cidades mais ricas do mundo, mas hoje demonstra em sua fisionomia uma decandência que nos coloca em contato com os danos que os colonizadores fizeram à América do Sul, e por La Paz, onde as cores nos convidam para nos vestir de amarelo, vermelho, azul, lilás; há locais em que as mãos sentem vontade de tocar, pois algumas ruas do centro são puro artesanato, e nas alturas há casas que nos instalam a pergunta: como as pessoas conseguem descer de lá?

Embalada por esta e tantas outras perguntas, registro em minha pele a delícia de estar na Bolívia. Vou dormir querendo tragá-la completamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário