16 de fevereiro de 2010

Texto grande porque estou repleta

Na sequência dos dias, as rotas vão mudando porque de outro modo não dá pra ser. Nosso plano era adentrarmos o Equador no dia 14 (domingo), mas alcançamos sua porta de entrada no dia 13 (sábado). A antecipação se justifica porque havia uma previsão de maior permanência em Paita, cidade para a qual seguimos a partir de Piura, última localidade peruana onde dormimos, e isso foi no dia 12 (sexta-feira). Foram muitas situações até chegarmos no destino, de modo que sinto a necessidade de rememorar o percurso, saindo de Lima com direção a Quito.

No dia 11 (quinta-feira), deixamos Lima, dormimos, em Trujillo, onde ficamos num hotel com quarto de decoração florida, cuja porta dá para um corredor gigante - desconfio que aquele é o corredor mais comprido que já vi na vida. Chegamos em Trujillo, à noite, e a cidade oferecia poucos lugares para comermos. A opção era, mais uma vez, nos darmos ao frango, que em espanhol significa pollo e é um dos pratos mais servidos por onde passamos. Pollo e papas fritas, que é batata frita, estão em praticamente todos os cardápios que já toquei durante a viagem, sobretudo, a partir da Bolívia. É tanto pollo que existem as Pollerias, casas especializadas em pollo.

A solução neste dia, em Trujillo, foi um restaurante 24 horas localizado bem pertinho do hotel onde o garçom era o grande personagem: um senhor, de baixa estatura, com um engraçado modo de andar e um jeito de falar que lhe fazia emitir poucas palavras. Como eu não queria jantar, pedi um pão com queijo e café com leite. Antes, um suco de abacaxi, que também foi pedido por outras pessoas. Quando nosso atendente apontou na mesa, eis que nos trouxe muito mais copos de suco do que havíamos solicitado. Solução: bebermos tudo até esgotar e guardarmos esta história para nossa galeria de risos.

Ah, o café chegou bastante concentrado numa espécie de bule de vidro, acompanhado de uma xícara cheinha de leite. Dissolvi no leite o denso líquido negro, assim como fez Ramon, outro caravaneiro que, naquela noite, também quis café com pão e queijo. Antes de tomarmos o café, fotografei o ato de alcançar a mistura "café com leite", em Trujillo, e me lembrei de La Paz, onde a soma do leite com o café acontece da mesma forma. Sai dali e fui direto para o hotel; tomei banho e dormi porque o corpo pedia cama. No outro dia, acordamos bem cedo, como é de costume: quase todas as vezes que vamos pegar a estrada, levantamos às 4 horas da manhã, e claro que vamos para o ônibus cambaleando de sono, mas não demora, já estamos dormindo novamente.

De Trujillo, no dia 12 (sexta-feira) seguimos até Piura, e como eu já mencionei num post anterior, no caminho, trocamos o pneu do Inulatão (nosso querido ônibus que me pede um poema todos os dias). Em Piura, almoçamos, vimos seu centro comercial agitadíssimo, jantamos e dormimos. Ali também fiz meu relatório de viagem, conforme solicitado pela coordenação. Dormi muito tarde nesta noite. Todo o hotel dormia, estava tudo escuro: erámos somente eu e a luz do meu computador. Eu estava na área externa do hotel, havia árvores e eu ouvia suas folhas balançarem. Não sei dizer o que senti ao me ver assim no meio do mundo.



Saindo e indo para outro ponto




Deixamos Piura na manhã do dia 13 (sábado), após o café que foi servido com suco de mamão papaia. Escrevia no computador e me alimentava ao mesmo tempo. Sensação boa esta! Saindo dali, a estrada nos levou até Paita, onde ficamos algumas horas para que os documentaristas da Caravana fizessem algumas imagens. Paita é uma cidade muito quente, embora margeada pelo Pacífico. No mar, muitos barcos pesqueiros; na rua, muita gente andando e as mototáxis estilizadas do Peru: uma moto adaptada como se fosse um automóvel, dispondo de uma estrutura diferente, coberta com uma capa plástica e que permite levar pelo menos duas pessoas como passageiros. Tudo isso empresta à cena urbana de Paita uma unicidade que, em mim, foi ainda mais elastecida pela ida aos Correios, que ali se chama Serviço Postal do Peru ou algo nesses termos; não lembro ao certo.

Sentada na cadeira atrás de uma mesa, estava Irma, uma senhora gentil que me alertou que, para postar carta ali, eu tinha que preencher o envelope conforme a orientação que se encontra pregada no vidro do balcão. Olhei para aonde ela apontou e estava lá, grudado, um envelope como exemplo mostrando o remetente e o destinatário escritos na frente do envelope. Como ainda não tinha visto a dica, eu estava preparando - do jeito que eu sei fazer - os meus envelopes nos quais coloquei cartões-postais, quando ela me interrompeu já com um corretivo, rasurando o envelope. Atendi ao pedido de Irma e postei algumas correspondências; no remetente, escrevi: "Sarah caminhando pelo mundo com o olho expandido e o coração aquecido".

Minha conversa com Irma cresceu e ela me perguntou de onde eu sou. Respondi: sou do Brasil e, de ônibus, estou com um grupo conhecendo nove países da América do Sul. Ela ficou espantada, quis saber quanto custa a passagem do Brasil para o Peru e me revelou que tem uma imensa vontade de conhecer o meu país, embora tenha uma irmã que more nos Estados Unidos e lhe chame constantemente para que vá pra lá. Ai, como foi bom ouvir este sentimento de Irma pelas terras brasileiras! Ela pediu para ver o dinheiro do Brasil, eu tinha uma cédula de R$b 50,00 (Cinquenta reais) na carteira. Saquei-a, ela segurou por um tempo, sentiu a nossa moeda e me devolveu. E, após um envio de cartas tão recheado de emoção, só podia sair dali fazendo uma foto de Irma segurando os meus envelopes, que agora estão em alguma parte do caminho latinoamericano, rumo ao Brasil.

Estive duas vezes no Serviço Postal do Peru. Quando fui da primeira vez, eu não tinha dinheiro para colocar tudo que eu levava em minhas mãos. Mas, como estou guardando um exemplar da moeda de cada país, fui obrigada a sacar dinheiro novamente e, assim, pude colocar mais cartas tendo como destino a Bahia. Que delícia! Coloquei-as preenchendo o envelope como ensinou Irma e, desta vez, sai dali dando-lhe dois beijinhos. Segui caminhando, olhando os arredores e vi, em Paita, uma fila grande em frente ao banco que funcionava em pleno sábado; um cara rodeado de gente fazendo, com ajuda de outro, um desses números grotescos que são comuns em feiras livres e outros espaços; vi também o mar batendo levemente na areia; construções antigas com um ar de decadência e uma mulher conversando com um homem.



Mais caminho pela frente e nosso carnaval acontece




Saimos de Paita, após o almoço, e por volta das 21 horas chegamos na saída do Peru. A escuridão reinava, pois havia faltado energia elétrica. Ali senti uma estranheza no ar, pois o local parecia clandestino: cones na estrada e homens encapuzados indicando um atalho para seguirmos. Fomos e paramos numa estrutura de metal que fazia as vezes da saída do país que tem Lima como capital. Mas só descemos do ônibus, quando a energia retornou. Todos os trâmites foram obedecidos, mais um carimbo em meu passaporte e seguimos até a entrada do Equador, onde chegamos às 21h58min.

Esta precisão na entrada em terras equatorianas só foi possível porque até o momento o Equador dispõe da única fronteira, cujo registro de acesso ao país se faz por meio de uma máquina e não através de um carimbo convencional. Ultrapassada esta passagem, chegamos depois das duas da manhã, em Machala, já no dia 14 (domingo). Machala é uma cidade muito abafada, com muitos mosquitos e com ruas alagadas pela chuva que caia. Dormimos e no outro dia, após o café, tomado em um outro hotel, seguimos até Guayaquil, onde visitamos um parque, vimos iguanas e outros animais, almoçamos num shoppping e seguimos para o hotel.

A noite do dia 14 (domingo) foi maravilhosa. Dedicamo-nos ao carnaval, ou melhor, fizemos o nosso próprio carnaval. Pegamos o sentido da rua, compramos cerveja, mas não se pode beber nas ruas de Guayaquil, o que nos fez encapuzar as garrafas em sacos de papel para consumirmos álcool, enquanto caminhávamos. Andamos, andamos e andamos pelo pier, onde há o Espaço Cultural Libertador Simón Bolivar, e alcançamos o Las Peñas, bairro muito aprazível da cidade, com casarões antigos recuperados. Em cada casa há na fachada a sua foto antes da reforma. Gostei de ver o antes e o depois de cada canto daquele.
No Las Peñas há uma escadaria com 444 degraus, com muitas lojinhas de artesanato e bares, que lembra a Escadaria da Lapa, no Rio de Janeiro, feita por Selarón, artista chileno que enfeita de azulejos a escadaria do Convento de Santa Teresa; no topo da escadaria do La Peñas, há uma igreja e um farol. Ali no meio daquela escada, nossa folia aconteceu. Bebemos, rimos, dançamos muito, alegramos as donas do bar, que adoraram ter baianos como clientes em pleno domingo de carnaval, e, quando a chuva caprichou na oferta, deixamos o bar e resolvemos nos banhar em seus pingos fortes, ao som de um delicioso reggae. Foi muito bom e, no dia 15 (segunda-feira), pegamos a estrada até Quito, onde estamos desde às 23 horas deste dia, cheios de serpentina na alma. Um beijo Salvador!

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